As boas polícias do mundo buscam se aperfeiçoar constantemente para maximizar o uso de recursos perante demandas crescentes, observar obsessivamente o respeito ao cidadão e o rigor da lei em suas ações, além de investir na proteção do policial em seu complexo e perigoso trabalho. Experiências com câmeras ajudaram nesse processo de melhoria do serviço policial nas ruas de Nova York, Londres, Los Angeles, Berlim e, agora, nos estados de São Paulo e Santa Catarina, os melhores exemplos desse avanço no Brasil.
A utilização de câmeras acopladas no uniforme começou a ser testada na Polícia Militar de São Paulo em 2014. O projeto foi aperfeiçoado na sua utilização no cotidiano policial e nas tecnologias, como a gravação ininterrupta durante o turno do trabalho e o arquivamento altamente controlado do banco de imagens, principalmente das evidências com possível interesse judicial.
Gradualmente se percebeu que as câmeras induzem um comportamento cada vez melhor de conformidade dos policiais às normas reguladoras de seu trabalho e aos procedimentos treinados para obter melhores resultados. Um questionamento feito por policiais da velha guarda, e até por alguns políticos, é o de que a câmera inibiria o policial em tomar iniciativas mais arriscadas durante o serviço, preferindo se omitir tanto quanto possível.
Pelo contrário: as unidades que empregaram as câmeras tiveram produtividade muito maior, medida justamente pela quantidade de criminosos presos em flagrante e de armas de fogo apreendidas, indicadores típicos de atividade policial motivada e eficiente. O aumento, de julho a outubro de 2021 ante o mesmo período de 2020, foi de 41,4% nas unidades com câmeras contra 12,9% nas unidades sem o equipamento. Em levantamento de opinião realizado em abril com 66 capitães do mestrado profissional da PM, 60 deles (90,9%) foram favoráveis à utilização das câmeras.
Os resultados são eloquentes em outras dimensões: o apuro profissional ajudou a produzir substancial redução da letalidade policial, além de alcançar o menor registro de morte de policial nos últimos 30 anos, com um único caso em confronto no serviço em 2021.
Alguns efeitos colaterais positivos do uso das câmeras acabaram fortalecendo o interesse dos policiais pelo seu uso. Um deles, a gravação de evidências de correção do policial em acusações de abuso de força; outro, o registro de evidências no momento de intervenção policial, que servirá para decisões judiciais. Outro aspecto crescente na experiência dos policiais com câmeras é o efeito do "sorria, você está sendo filmado": a redução da resistência de infratores nas abordagens policiais, que chegou a 32% nas tropas com câmeras e a 19,2% nas unidades sem o equipamento, evitando o emprego de força adicional para dominar as situações.
A ação policial com câmera constitui um raro caso em que se leva ao nível das ruas o princípio constitucional da publicidade dos atos praticados por agentes públicos. O Estado e a sociedade devem exigir uma polícia melhor e apoiar seu esforço de aperfeiçoamento; afinal, quando o cidadão aflito liga para o telefone 190, o Estado vai acudi-lo sob a forma de um funcionário com a farda da PM. Pelo Estado e para o cidadão, ele deve ser cada vez melhor.
Um importante alerta para as demais polícias: o melhor uso da tecnologia requer policiais altamente treinados e motivados, além de supervisão de qualidade, ou as câmeras vão revelar mazelas e comprometer a sua implantação.
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