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Breno Monteiro

O sistema de saúde é capaz de arcar com o novo piso salarial da enfermagem? NÃO

Demissões já começaram, e há risco de redução no atendimento a pacientes

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Breno Monteiro

Presidente da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde)

Entrou em vigor neste mês a lei 14.434/2022, que cria o piso salarial da enfermagem (R$ 4.750), de técnicos de enfermagem (R$ 3.325) e de auxiliares de enfermagem e parteiras (R$ 2.375). O que antes eram projeções e receios, agora são questões concretas que terão de ser enfrentadas, de uma forma ou de outra, para evitar que estados, municípios, Santas Casas e entidades beneficentes, pequenos e médios hospitais, laboratórios e clínicas sejam arrastados para uma crise financeira, com graves impactos sobre a assistência à saúde.

A raiz dos problemas decorre do fato de que a lei foi sancionada sem que fossem indicadas as fontes de onde sairão os recursos para cobrir o aumento nas despesas públicas e privadas, o que conflita com a Constituição Federal. Diante disso, a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), com apoio de outras entidades do setor, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 7.222 no Supremo Tribunal Federal.

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Enfermeiros atendem paciente com Covid em UTI do Hospital da Santa Casa de Misericórdia, em Araraquara (SP) - Rubens Cavallari - 12.mar.21/Folhapress

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo no STF, considerou a matéria relevante para a ordem social e a segurança jurídica e solicitou informações com urgência sobre o assunto à Presidência da República, à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal.

Em manifestação recente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, alertou para decisões legislativas que podem tornar "talvez insustentáveis", do ponto de vista fiscal, algumas atribuições dos municípios. Sem a adoção de medidas compensatórias, haverá um agravamento do endividamento público num cenário fiscal que já é desfavorável.

Calcula-se que o impacto financeiro da implantação do piso chegará a R$ 16,3 bilhões anuais, segundo grupo de trabalho da Câmara de Deputados, ou a R$ 18,4 bilhões, pelas contas de entidades do setor. Desse total, mais de um terço caberá ao setor público, afetando pesadamente os orçamentos de estados e municípios (que arcam com boa parte dos gastos locais do SUS). O restante da conta se divide entre entidades privadas beneficentes e instituições privadas com fins lucrativos.

Sem recursos do Estado, vai se agravar a crise entre as instituições beneficentes —1.824 estabelecimentos que suportam entre 50% e 70% do atendimento de alta complexidade do SUS. Em mais de 800 municípios, esses estabelecimentos privados sem fins lucrativos são o único serviço de saúde. Sem socorro financeiro para fazer frente a esses gastos, as entidades filantrópicas serão obrigadas a reduzir a prestação de serviços e a realizar demissões. Lares filantrópicos e privados já começaram a demitir enfermeiros e técnicos de enfermagem em várias localidades.

As despesas criadas pelo piso vão comprometer também a saúde de dezenas de milhares de prestadores de serviços privados, entre os quais se incluem hospitais, laboratórios e clínicas, em especial os pequenos e médios estabelecimentos, muitos dos quais também atendem ao SUS. Essas e outras graves consequências foram apresentadas aos congressistas, inclusive as inconstitucionalidades que envolveriam a sua aprovação sem a definição prévia das fontes de custeio.

Agora, abre-se no STF a possibilidade de reverter a aplicação dessa lei até que suas bases de financiamento estejam adequadamente estabelecidas. Somente dessa forma será possível atender o justo desejo de valorizar os profissionais da enfermagem, aos quais tanto devemos, sem gerar com isso milhares de demissões e o fechamento de centenas de instituições de saúde, o que penalizará a população, sobretudo aquela que depende do SUS.

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