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Marcelo Pimentel Jorge de Souza

Na democracia, é simples assim

Bolsonaro não lidera nem une, mas guia facção movida a preconceitos de toda ordem

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Marcelo Pimentel Jorge de Souza

Mestre em ciências militares pela Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército) e oficial da reserva do Exército

O presidente da República, o vice-presidente e eu somos oficiais oriundos da Academia Militar das Agulhas Negras. Eles se formaram durante o AI-5, que fechou o Congresso e agravou a ditadura militar inaugurada pelo golpe de 1964. Eu, no alvorecer da redemocratização, em 1987.

Hoje, golpe e ditadura são rememorados em ordem do dia e idolatrados pelos dois militares do Planalto, que representam pensamento de sua geração e de porção considerável dos oficiais das Forças Armadas (FA).

Há quatro anos, milhares de oficiais-generais e superiores ocupam "cabeça, tronco, membros, entranhas e alma" da máquina governamental do Estado. Não constituem apenas "ala militar", mas a "cabine de comando" político do governo. Suas condutas caracterizam recidiva de anacrônico, impróprio e indevido fenômeno socio-histórico: protagonismo político de cúpulas hierárquicas das FA.

Participar de governo em cargo de confiança e exercer mandato parlamentar são atos voluntários e políticos. Ainda que não proíba, a norma ética e legal estabelece condições para que isso não signifique atuação político-partidária das FA nem seja percebido como tal.

No caso da nomeação de militar na ativa, em que a "vontade" do comando da Força se impõe, os atos de convidar e aceitar podem ser entendidos como ação política do comando uma vez que essa autoridade indica, autoriza ou consente.

Considerando somente a Força a que pertence o binômio presidencial, cerca de 70% dos integrantes de seu Alto-Comando (2015-20), até na ativa, ocuparam ou ocupam cargos de natureza política. O próprio comandante assumiu função no governo que ajudou a eleger.

Nos últimos anos, assistiu-se à general na ativa conceber e negociar o denominado "orçamento secreto", gerir o enfrentamento da pandemia "mesmo sem saber o que era SUS" e ser porta-voz de um capitão notório por faltar à verdade.

Por intermédio da postura dessas cúpulas, a relação orgânica e funcional das FA com este governo evidencia a essência do "fator militar" na construção e operacionalização da tragédia cívico-institucional que o país, entristecido e temeroso, vivencia: o "governo militar".

Ao trocar carreira pela política de baixa produtividade, mas de altos "rendimentos" patrimoniais, o capitão Jair Bolsonaro era reputado "indigno" pelo Exército que ajudou a construir a democracia e a Constituição de 1988, marco final do processo de "abertura lenta e gradual" iniciado pelo general Ernesto Geisel a partir da revogação do AI-5, em 1978. O general considerava-o "mau militar".

Desnecessário apontar evidências de sua inapetência para o cargo de presidente. Fatos estão em toda parte —das "filas do osso" aos cemitérios. Não lidera nem une, mas guia facção movida a preconceitos de toda ordem e desagrega o Brasil. Não serviu para "obedecer" nem "comandar" no Exército de Caxias. Não serve para liderar o país ao futuro porque está preso ao pior passado.

Sua possível reeleição radicalizaria processo inverso ao iniciado por Geisel: fechamento lento e gradual da política e sociedade, já descaracterizadas por habitus militares praticados fora dos campos onde fazem sentido —os quartéis. A "muralha" que segrega as FA e o militar da luta política e de governo —qualquer governo— vem sendo danificada.

Neste domingo (30), teremos duas alternativas claras para definir o rumo da marcha.

Uma significa a reconstrução da democracia estremecida, o restabelecimento do diálogo social civilizado, a recuperação da imagem de credibilidade das FA e a reconstrução da "muralha" que mantém o militar onde lhe é próprio.

A outra, pisoteando escombros da "muralha" e conduzindo o Brasil ao precipício do delírio autoritário militarista, é guiada pelo "mau capitão" e por generais que transformam as FA em espécie de partido, e seus integrantes, em militantes eleitorais para projetos políticos daquelas cúpulas.

O militar segue exemplo de seus comandantes no quartel. Nas eleições, porém, não cabe ordem, intimidação, censura, assédio, pressão ou qualquer forma de imposição da vontade do superior sobre a do subordinado hierárquico.

Mesmo na reserva desde 2018, tenho sido alvo desse tipo de ação. Continuarei resistindo porque defendo o Exército que me formou e ajudou a erguer o Estado democrático de Direito em que ainda vivemos.

Na democracia arduamente reconquistada, é simples assim para civis e militares: o voto é livre e secreto.

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