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Marcelo Beckhausen

Suprema inconstitucionalidade

Ativismo judicial não pode ser enfrentado com a ampliação de vagas na corte

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Marcelo Beckhausen

Professor de direito (Unisinos), é procurador regional da República

A proposta de ampliar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal por emenda constitucional carece de explicações e exige reflexões.

É necessário que se explique como tal proposição se diferencia do que ocorreu no Brasil durante o regime militar, quando o Ato Institucional nº 2, em 1965, aumentou o número de ministros para 16, acréscimo mantido pela Constituição de 1967. Pouco depois, com base no AI-5, de 1968, foram aposentados compulsoriamente três ministros. Uma sequência que abriu espaço para novas indicações alinhadas ao governo autoritário da época.

Também é preciso que seja explicada a proximidade da proposta com o ocorrido na Venezuela em 2003, quando a Assembleia Nacional determinou que a Corte Suprema passasse de 20 para 32 juízes, indicados por parlamentares partidários do presidente Hugo Chávez.

A primeira e maior reflexão é que tal emenda agride pesadamente a Constituição, que estabeleceu a separação dos Poderes como suporte da democracia e escolheu o Judiciário como ferramenta indispensável no controle dos excessos do Legislativo e do Executivo. Foi o constituinte originário que indicou o STF como última instância de defesa da Carta Cidadã, criando barreira para emendas casuísticas ou oportunistas. Essa ampliação é antidemocrática e totalmente inconstitucional.

A segunda é que há de se dissociar o ativismo judicial do papel legítimo da magistratura, empenhada em proteger o sistema do direito. O ativismo judicial que, superficialmente, significa ação do Judiciário na esfera política, eventualmente substituindo o legislador, deve ser enfrentado de outras maneiras. Esse quadro pode ser alterado se tivermos um Legislativo com lealdade constitucional para enfrentar tais mudanças e não afrontar a função legítima dos tribunais de serem contramajoritários, defendendo as normas de ataques de outros Poderes ou os obrigando a agir em conformidade com as leis.

Uma das maneiras de se enfrentar eventual ativismo é criar diferentes mecanismos de escolha dos ministros do Supremo, possibilitando que OAB, Judiciário, Ministério Público e universidades possam apresentar listas ao Executivo, de forma a reduzir a influência político-partidária nas escolhas e, consequentemente, nas decisões judiciais. Estabelecer mandatos para os próximos ministros, renovando a composição de forma objetiva, como exige um Estado de Direito e não para construir maioria artificial na corte. Criar leis que disciplinem as decisões monocráticas, guiando-as automaticamente para o pleno e impedindo votos isolados, que se estendem no tempo, sobre temas importantes.

Mas tais reflexões não podem ser produzidas no afogadilho, embaladas pela disputa presidencial. Não podemos incorrer em erros como os cometidos por Hungria ou Polônia, que ampliaram o controle do Judiciário pelo Executivo, seja reduzindo o tempo da aposentadoria compulsória ou permitindo a indicação da chefia da corte por órgão administrativo.

A democracia não pode estar sujeita a maiorias parlamentares eventuais que, a fim de permanecer mais tempo no poder, esfacelam regras constitucionais.

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