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Gabriela Prioli e Luiza Oliver

Um convite ao diálogo aos eleitores de Jair Bolsonaro

Considerem o risco ao sistema de freios e contrapesos de um Estado democrático

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Gabriela Prioli

Advogada, mestre em direito penal (USP) e comunicadora

Luiza Oliver

Advogada, mestre em direito penal (New York University) e conselheira estadual da OAB-SP

O país está rachado. Queremos convidar todos, especialmente os que pretendem votar em Jair Bolsonaro (PL), a dialogar. Considerando os prós e contras dos candidatos e, especialmente, considerando a próxima configuração do Congresso, faz sentido reeleger o presidente?

O Estado foi desenhado para garantir que nenhum órgão tenha poder absoluto. Por isso, a divisão clássica entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Cria-se, assim, o sistema de freios e contrapesos. Os excessos de um Poder são "freados" e contrabalanceados por outro. Essa é a essência de todo e qualquer Estado civilizado em todo o mundo.

Quando elegemos para o cargo máximo do Executivo alguém que, como Bolsonaro, tem perfil de menor apego às regras democráticas e aos direitos das minorias, os demais Poderes da República ganham maior relevância, pois freiam os excessos autoritários da Presidência e garantem os direitos das minorias. Foi assim nos últimos quatro anos.

A título de exemplo, citemos o veto do Congresso às medidas provisórias do governo que objetivavam alterar as regras de demarcação de terras indígenas; a declaração de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, dos decretos presidenciais que visavam a concessão automática de licenças ambientais para madeireiros; e a derrubada, pelo Parlamento, dos vetos presidenciais aos projetos de lei de incentivo à cultura.

Os resultados do primeiro turno, contudo, deram nova roupagem ao Congresso Nacional, que passará a ser formado, majoritariamente, por apoiadores incondicionais do presidente Jair Bolsonaro. Como consequência, na hipótese de reeleição do presidente, um dos contrabalanços naturais ao Poder Executivo restará sensivelmente prejudicado.

A preocupação com o equilíbrio entre os Poderes aumenta quando se constata o potencial risco de aniquilamento da independência do STF. Além de a nova formação do Congresso dar guarida para o processamento dos muitos pedidos de impeachment formulados contra diversos ministros do Supremo, o presidente já anunciou que estuda aumentar o número de ministros com assento na corte, passando assim a ter o poder de indicar mais da metade de seus membros.

O assenhoreamento dos demais Poderes do Estado pelo presidente da República mina diretamente o sistema de freios e contrapesos, deixando à margem de proteção as liberdades civis e trazendo riscos concretos de ruptura do Estado e de suas instituições.

Pensemos, por exemplo, que está em trâmite no Congresso o projeto de lei 1.595/2019, que cria a chamada "polícia política", submetida diretamente ao chefe do Executivo. O modelo ali previsto, que lembra tempos sombrios da nossa história, dá margem à criminalização de movimentos sociais, além de ampliar a vigilância inconstitucional. Num Estado sem freios e contrapesos, termina-se colocando nas mãos de uma só pessoa um poder extraordinário, que afeta diretamente o exercício das liberdades civis.

O mesmo se diga sobre o projeto 6.583/13, que exclui do conceito de entidade familiar e de sua esfera de proteção as uniões afetivas que não sejam aquelas formada por "um homem e uma mulher". Com um Congresso conservador, com forte pauta religiosa, e com um Supremo amordaçado, as já vulneráveis minorias perdem por absoluto a proteção.

Assim, a reeleição de Bolsonaro, no contexto atual, representa uma perigosa guinada para a direita autoritária, sem os freios e contrapesos necessários para garantir princípios básicos de um Estado democrático.

De outro lado, a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), diante de um Congresso maciçamente conservador e pautado por uma política econômica liberal, faz valer, na sua essência, o sistema de freios e contrapesos. Caso eleito, Lula encontrará, por exemplo, enorme resistência para implementar qualquer medida legislativa que possa ser entendida como populismo econômico, ou mesmo medidas assistencialistas.

Em termos práticos: com o novo Legislativo, não há risco de "virarmos a Venezuela" com Lula, mas há risco de, com Bolsonaro, virarmos a Hungria que, dia após dia, tem visto valores democráticos corroerem.

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