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Pedro Graça

Há alguma lógica nos ataques de ambientalistas a obras de arte? NÃO

Repetição banaliza ato pouco eficiente para comover o público pela 'causa'

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Pedro Graça

Artista visual, pesquisador e doutorando em filosofia pela USP com foco em filosofia da arte

Desde a década de 2000, o termo "Antropoceno" vem sendo popularizado para descrever a era geológica que começou a partir da visível (e por vezes irreversível) alteração global causada pela ação humana.

É de extrema importância não apenas a conscientização das questões ambientais e possíveis formas de aplacá-las, mas também o correto endereçamento de quem é responsável e tem algum poder sobre a mudança climática. A conscientização vazia —como enxergo os recentes ataques de ambientalistas a obras de arte— só faz um estardalhaço sobre a questão, sem apontar os devidos responsáveis e tampouco as possíveis formas de trabalharmos a situação. O que vejo de maneira claramente positiva nesses ataques é que os ambientalistas responsáveis, em sua grande maioria, aparentam ser bem jovens —fato este que pode acender certa esperança sobre as gerações futuras e a maneira como se posicionam sobre as questões ambientais.

Ativistas da organização britânica Just Stop Oil jogaram sopa de tomate nos Girassóis (1888) de Vincent Van Gogh na National Gallery de Londres
Ativistas da organização britânica Just Stop Oil jogam sopa de tomate nos "Girassóis" (1888), de Vincent Van Gogh, na National Gallery de Londres - @damiengayle no Twitter

Qual a relação entre o aquecimento global e as possíveis catástrofes agrícolas de décadas futuras e os grandes bastiões da pintura ocidental? Pouca ou nenhuma. Como comentou um dos visitantes da National Gallery, em Londres, onde foi realizado o ataque do grupo Just Stop Oil (o primeiro dessa onda mais recente), os frequentadores do museu —em sua grande maioria— já estão conscientes e minimamente preocupados com o aquecimento global.

A argumentação dos ambientalistas responsáveis pelos ataques parece seguir a lógica de que as obras de arte deveriam ter menos atenção e são menos importantes do que as pautas que defendem e para as quais chamam a atenção, como se um valor anulasse o outro —ou se essas esferas estivessem ocupando o mesmo espaço na cabeça das mesmas pessoas. Como se a atenção voltada para uma pintura a óleo retratando um vaso de flores influísse de alguma maneira na preocupação que as pessoas têm (ou deveriam ter) com a indústria do petróleo ou a poluição do plástico nos nossos oceanos.

Purê de batata e sopas de ervilha e de tomate atirados sobre obras devidamente emolduradas e protegidas... Os ataques são muito mais simbólicos e inócuos do que aparentam.

A única lógica que parecem seguir é a de chamar atenção de algum jeito —qualquer jeito. E as relíquias culturais europeias pareceu-lhes a via mais fácil e rápida para este fim. No entanto, a banalização do ato com a sua repetição e a impossibilidade de comover o público em geral tira o foco desses ataques, sem contar a falta de clareza de quais ações possíveis estão sendo reivindicadas.

Depois de saquear as riquezas artístico-culturais de outras épocas, regiões e civilizações, agora o europeu começa a simbolicamente atacar as suas próprias. O gosto amargo que fica é que um lado do espectro político tenta inviabilizar a produção artística mais recente, e o outro, por sua vez, não tem muito interesse em preservar as riquezas de épocas anteriores.

O mundo da arte não é alheio a ataques, destruições, rasuras e vandalismos. Perpetrados seja por quem é de dentro, de fora ou segue às margens dele. E se tem uma coisa que a arte pode ensinar às recentes manifestações é que o impacto se torna maior se o ataque for estrondosamente irreversível e que a cada repetição o valor de choque —e consequentemente o impacto da ação e a empatia para com ela— perde força e alcance. Os holofotes voltados para o mundo das artes acendem e apagam, enquanto os reais responsáveis pelos danos ambientais continuam os negócios, como de costume.

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