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Helena Nader

Ciência e educação para combater a miséria

Não há urgência maior do que atender aos famintos

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Helena Nader

Biomédica e professora da Unifesp, é vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências

Está claro que a prioridade zero para os primeiros meses do governo eleito deverá ser o combate à miséria. Se antes havia pessoas em situação de rua, hoje são famílias inteiras vivendo de maneira indigna nas cidades do país. Não há urgência maior do que atender imediatamente aos 33 milhões de brasileiros que passam fome. Mas a solução duradoura para essa crise humanitária passa pela reestruturação da educação e da ciência dentro de uma verdadeira política de Estado.

Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), renasce a esperança de que, nestes anos finais do primeiro quarto do século 21, voltemos a considerar educação e ciência como investimento estatal, não como meros gastos. A Academia Brasileira de Ciências faz coro com o restante da comunidade acadêmica para afirmar que é urgente recuperar o orçamento dessas que são as bases sobre as quais se erige a sociedade do conhecimento.

Tiago Bastos de Santana, 24 , pede ajuda em cruzamento no bairro da Mooca, em São Paulo - Karime Xavier - 20.nov.21/Folhapress

Para tomarmos o rumo de um crescimento econômico inteligente, inclusivo e sustentável, os pesquisadores Mariana Mazzucato e Caetano Penna propõem uma política de inovação orientada por missões, capitaneada pelo Estado e em parceria direta com o setor privado.

Nela, é fundamental que o Estado assuma o papel de tomador de riscos, mantendo-se aberto a experimentações. Nas palavras dos pesquisadores, o objetivo é tornar possível o investimento "em todo o processo de inovação, das pesquisas básicas até o estágio final de financiamentos de empresas", para que se alcance maior impacto no desenvolvimento econômico nacional.

Para que isso volte a ser possível no Brasil, no curto prazo, é urgente a recomposição do orçamento para o setor de ciência, tecnologia e inovação. Além disso, será necessário que o novo governo se comprometa com a proteção ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O FNDCT deve voltar a ser usado nas áreas para as quais foi originalmente criado, sem desvio de finalidade travestido de reestruturação. Lula tem um histórico favorável nesse aspecto, já que foi o único presidente a ter descontingenciado a 100% os recursos do fundo em seus mandatos anteriores.

No médio e longo prazo, esse reerguimento da ciência como prioridade de Estado passa por um esforço concentrado para dar às crianças e aos jovens brasileiros uma educação compatível com as demandas do nosso século. A hora de investir em todos os níveis educacionais, da creche à universidade, é agora. Nos próximos anos, a inteligência artificial e as novas tecnologias vão continuar revolucionando o mercado de trabalho. Ou priorizamos a educação de uma vez por todas ou estaremos provocando uma crise que nos assolará em 30 anos, uma vez que a janela demográfica em que nos encontramos não nos será favorável por mais muito tempo.

De fato, a partir de 2050, a população dita economicamente ativa —com idades entre 25 e 64 anos— estará em declínio, enquanto os maiores de 65 estarão em franca ascensão. Segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), quase 30% dos brasileiros entre 25 e 34 anos hoje não têm ensino médio. São dados que nos fazem temer pela aposentadoria dessa futura população idosa. Se agora, em sua juventude, não lhes é dado o acesso a uma qualificação profissional para empregos que não se tornem obsoletos nas próximas décadas, será possível manter níveis dignos de vida em seus anos finais?

O combate à fome e o resgate da educação e da ciência devem andar juntos para não perdermos mais gerações inteiras de jovens. Devemos renovar nossos esforços para voltarmos a ter protagonismo na implementação da Agenda 2030 da ONU.

Trabalho decente e crescimento econômico, fome zero e erradicação da pobreza, educação de qualidade e redução das desigualdades. Todos estão no rol dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com os quais já nos comprometemos enquanto nação. Agora precisamos torná-los realidade.

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Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste artigo dizia que os pesquisadores Mariana Mazzucato e Caetano Penna eram afiliados à Universidade de Sussex (Inglaterra). Agora estão, respectivamente, na University College London (Reino Unido) e na Universidade de Tecnologia de Delft (Holanda).

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