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Virginia Veridiana Barbosa Garcia

Justiça no caso Alex Silveira

Fotógrafo baleado no olho pela PM paulista enfim deverá receber a pensão devida

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Virginia Veridiana Barbosa Garcia

Advogada, é sócia do escritório Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian Advogados

Muitos certamente se lembram do trágico caso do repórter fotográfico Alex Silveira, que em 2000 foi atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha disparada por um policial militar de São Paulo. O profissional cobria uma manifestação de professores na avenida Paulista para o extinto jornal Agora, do Grupo Folha. A lesão o deixou com apenas 15% da visão do olho ferido.

O caso comoveu muita gente e também mobilizou diversas organizações nacionais e internacionais. Até que, depois de quase 20 anos de batalha judicial, finalmente em 2021 o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que o Estado é responsável pelo ocorrido e que deve indenizar o jornalista.

Mas a saga de Silveira não acabou. Mesmo depois do julgamento definitivo pelo STF, o estado de São Paulo, réu no processo, utiliza de expedientes e recursos protelatórios para não pagar o quanto foi determinado na decisão do Supremo.

O repórter fotográfico Alex Silveira após ser atingido por uma bala de borracha no olho esquerdo durante protesto de servidores na avenida Paulista (SP), em 18 de maio de 2020 - Caio Guatelli - 18.mai.2020/Folhapress

O estado de São Paulo demorou inacreditáveis sete meses para começar a cumprir a ordem do Supremo. E, quando passou a pagar algum valor a Silveira, o fez num importe muito, muito menor que o devido. Pior: sem apresentar um cálculo sequer no processo, ou seja, trazendo um valor completamente aleatório. O Poder Judiciário tem, na medida do possível, reprimido essas condutas protelatórias do estado de São Paulo. O magistrado Marcos de Lima Porta proferiu duas decisões, uma impondo multa diária e outra majorando seu valor. Aliás, a multa só foi majorada pelo reiterado descumprimento da obrigação de pagar.

E nem isso impediu o réu de apresentar mais um recurso ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para tentar afastar as multas e desfazer tudo o que já havia sido decidido.

O réu, para espanto geral, alegou no processo (já agora, em 2022, mais de 22 anos depois do ocorrido) que a lesão sofrida por Silveira não foi incapacitante —ora, vejam só, trata-se de repórter fotográfico que perdeu quase toda a visão! Não bastasse, alegou que o pouco que o profissional conseguiu receber com algum trabalho e enorme esforço nestes anos todos demonstraria que a pensão não é necessária. Como se o repórter devesse ser penalizado por ter conseguido sobreviver até aqui.

Participantes do festival de fotografia Paraty em Foco protestam contra decisão judicial que considerou o repórter fotográfico Alex Silveira culpado por ser atingido por bala de borracha no olho - #somos culpados/ divulgacao/Folhapress

Felizmente, o circo foi desarmado pelo Judiciário. Em decisão recente, de autoria do desembargador Jayme de Oliveira, acompanhado pelos demais magistrados por unanimidade, o TJ-SP rejeitou os argumentos estapafúrdios do recurso do réu. Trata-se de uma vitória, sem dúvida, mas com sabor amargo.

Após 20 anos de tramitação, nenhuma decisão judicial pode ser considerada justa, muito menos pode recompor qualquer tipo de dano, especialmente dessa magnitude. Mas a conduta do estado de São Paulo, ao negar o correto pagamento da pensão alimentar concedida por decisão definitiva a Silveira, depois de todos estes anos, chega a ser desumana.

Que o caso ao menos abra caminhos para que outros jornalistas, caso acidentados, não passem por essa cruzada. E, sobretudo, para que se dê um basta no mau uso do Poder Judiciário. É inadmissível que as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório sejam desvirtuadas pelo próprio poder público para se eximir do cumprimento de obrigações reconhecidas por decisão definitiva do Judiciário, o que atenta contra a efetividade da Justiça.

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