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Carlos Oliveira

Por que é tão difícil corrigir desinformação?

Intervenções podem reduzir disseminação e prováveis influências

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Carlos Oliveira

Doutor em ciência política, é pesquisador dos distúrbios de informação e professor voluntário do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)

A resposta mais direta possível à pergunta do título deste artigo é que no processamento de informações as pessoas quase sempre não priorizam a acurácia. Independentemente de ser verdade ou mentira, mais importa o quanto a informação é compatível com crenças prévias. O indivíduo se sente feliz quando recebe informações condizentes com o que acredita, porém ansioso, raivoso, se forem contraditórias. Tanto para desinformação como para informação, os mecanismos mentais de assimilação são os mesmos.

Muitas vezes, alguém corrigido até admite ter crido numa mentira, mas esse reconhecimento não implica mudanças atitudinais. Se a apresentação de dados verdadeiros por si só não impacta atitudes, quais estratégias deveriam ser adotadas para enfrentar a desinformação?

A gente ouve no mundo inteiro a ideia de regular as mídias sociais —e no Brasil ainda mais após os ataques golpistas de 8 de janeiro. Sem dúvida, há necessidade de responsabilização daqueles que deliberadamente usam as redes para difundir fabricações. Também é essencial considerar o caráter involuntário do endosso de muitos a inverdades e eventual compartilhamento. O pecado seria o mesmo?

Similarmente, há o debate em torno do comprometimento das plataformas de mídias sociais. Elas devem melhorar a moderação de conteúdos e, se não agirem assim, arcar com consequências legais. Há um dilema ético aí, porque existe o risco de haver censura —algo a ser inteiramente rechaçado. Uma saída talvez seja o exemplo de interlocução da União Europeia com as big techs. O objetivo inicial é que as plataformas promovam fontes confiáveis, rebaixem conteúdo verificado como falso ou enganoso e removam aqueles ilegais ou que possam causar danos físicos.

No aspecto do indivíduo, um grupo internacional de pesquisadores tem sistematizado intervenções corretivas já testadas no campo das ciências comportamentais e cognitivas. Os estudiosos criaram uma "caixa de ferramentas" muito útil para o enfrentamento desse fenômeno. A preocupação dessa linha de pesquisa está em como diminuir a disseminação e prováveis influências da desinformação, além de reduzir ao mínimo a decisão de se remover conteúdos das mídias sociais.

Na "caixa de ferramentas" são listados dez tipos de intervenções. Em linhas gerais, chamar atenção para a necessidade de precisão; fornecer correções para reduzir equívocos específicos ou crenças falsas; pedir aos indivíduos que parem um pouco e reflitam antes de compartilhar conteúdos; mostrar as estratégicas utilizadas para desinformar (um tipo de "vacina" contra a desinformação); incentivar a leitura lateral (abrir novas abas no navegador, para checar informações); alfabetização midiática (ensinar táticas para identificar informações falsas e enganosas); refutar o negacionismo científico (fornecer dados sobre o evento falsamente abordado); induzir a autorreflexão (reforçar que as pessoas podem estar vulneráveis no ambiente online); realçar normas sociais (influência social de amigos para encorajar as pessoas a não acreditar ou compartilhar desinformação); colocar rótulos de advertência em conteúdos online, alertando sobre possível manipulação (avisar que certa informação é classificada como falsa ou enganosa).

Essas são ações cujos resultados se mostram mais promissores, ainda que o nível de sucesso não seja como gostaríamos. A precisão, quase sempre, não é parâmetro na iniciativa pessoal de endossar ou rejeitar conteúdos recebidos. A mentira é comum à vida humana e constantemente presente nas interações sociais, sobretudo na política. O problema é que agora ela alcançou patamares virais e se transformou numa barreira quase intransponível na educação política dos indivíduos. Enfrentá-la é urgente e vital para o fortalecimento da nossa incipiente democracia.

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