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Benito Salomão

Riscos ao regime de metas de inflação

Falas recentes de Lula podem impor mais um duro ônus reputacional ao BC

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Benito Salomão

Doutor em economia (Programa de Pós-Graduação em Economia / Universidade Federal de Uberlândia)

O Banco Central do Brasil opera em um regime de metas de inflação desde 1999. Tal regime é caracterizado por: 1 - indicação ex ante de uma meta para a qual o BC deve conduzir a inflação; 2 - uma função reativa do BC indicando qual será o movimento da taxa de juros em resposta à desvios da inflação corrente em relação à sua meta; e 3 - instrumentos de responsabilização à autoridade monetária quando a meta é descumprida.

Em 2021, o BC ganhou sua autonomia operacional, de forma que seu presidente e diretores têm mandato e não podem ser demitidos por razões políticas. Curiosamente, desde que se tornou independente, a economia brasileira foi acometida por uma sequência de choques estocásticos que fizeram com que a inflação não retornasse à meta.

Sede do Banco Central do Brasil, em Brasília - Antonio Molina - 11.jan.22/Folhapress - Folhapress

Desde que os modernos modelos dinâmicos, ancorados na hipótese das expectativas racionais, tomaram o lugar dos tradicionais modelos de inspiração monetarista, a credibilidade da política monetária, bem como sua consistência, passaram a desempenhar um papel central na determinação dos preços.

Em outras palavras, elevações nos preços deixaram de ser uma função dos encaixes (moeda em circulação) e passaram a ser um resultado das expectativas dos agentes acerca das condições da economia. Daí a importância de uma meta previamente estabelecida, que na prática é uma informação dada pelo Banco Central às firmas que fixam preços, indicando qual será a inflação em um dado horizonte temporal.

Em 10 de janeiro, o IPCA para o exercício de 2022 foi divulgado, fechando o ano em 5,79%. Pelo segundo ano consecutivo, o BC descumpre a meta, o que pode ter efeitos danosos para este regime devido às implicações que isso causa no formato da curva de Phillips (CPh), passando a predominar o componente "backward looking" —o que significa que, em contexto de inflação prolongada, as firmas passam a remarcar seus preços defensivamente, observando a inflação corrente e não mais a inflação esperada (a meta). Isso obrigará o BC a elevar a taxa real de juros muito acima da neutra, contracionando a economia.

Há ainda, um segundo risco. Falas recentes do presidente Lula e de seu staff econômico em tom crítico à política de "juros altos", sugerindo elevação da meta para 2024, podem impor mais um duro ônus reputacional ao BC. Afinal, se o a autoridade monetária é incapaz de perseguir uma meta de 3%, porque seria capaz de entregar uma meta de 4,5%? Desde a publicação da Crítica de Lucas, nos anos 1970, mudanças em regras de política econômica devem sempre considerar que as mesmas regras já existem e norteiam um comportamento dos agentes, sendo que alterações nestas regras provocam reações imprevisíveis.

Outro problema é o ambiente fiscal permeado de incertezas que exerce influência sobre a política monetária. Riscos fiscais à parte, há a possibilidade de o BC não ser capaz cumprir a meta em 2023, ou desta meta ser discricionariamente alterada para cima em 2024. Isso abalaria fortemente a credibilidade do regime que, por ser uma bússola de expectativas, depende da credibilidade para funcionar bem.

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