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Bruno Meyerhof Salama e Alexandre Ramos Coelho

A internacionalização do yuan e o papel do Brasil

País acerta ao explorar brechas em duelo de gigantes

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Bruno Meyerhof Salama

Professor em UC Berkeley Law School (EUA) e senior global fellow na FGV Direito SP

Alexandre Ramos Coelho

Pesquisador do think tank Observa China e ex-diretor jurídico do Banco da China - Brasil

Os bancos centrais do Brasil e da China assinaram em 31 de janeiro de 2023 um memorando de entendimentos para o estabelecimento de acordos de compensação de yuan no Brasil. Vladimir Putin prometeu adotar o yuan para os "pagamentos entre Rússia e países da Ásia, África e América Latina". O governo saudita anunciou que as faturas relativas às exportações de petróleo para a China seriam denominadas em yuan. Na Europa, a França realizou recentemente a primeira venda de gás liquefeito por meio da moeda chinesa.

Não são fatos isolados. Pequim está buscando criar sua própria estrutura financeira global, desenhando organizações com atuação internacional em áreas como comércio, pagamentos internacionais, financiamento do desenvolvimento, liquidação de operações de compra e venda de moedas e classificação de crédito.

Os presidente da China, Xi Jinping, e do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, caminham ao lado de crianças durante recepção ao brasileiro em Pequim - Ricardo Stuckert/Presidência da República - AFP

O Brasil também deu um passo. Daqui em diante, subsidiária brasileira do Industrial and Commercial Bank of China passará a atuar no nosso país como provedora da moeda chinesa, evitando a sua escassez e promovendo a sua liquidez. O sistema de pagamentos brasileiro, por sua vez, terá acesso direto aos sistemas de pagamento doméstico e transfronteiriço da China —isto é, ao National Advanced Payment System (CNAPS) e ao China Cross-Border Interbank Payment System (Cips), este criado em 2015 com o objetivo de prestar serviços similares à Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (Swift, ou Sociedade para as Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais).

O que o Brasil ganha com isso? Para entender, podemos comparar a tentativa de criação de uma "moeda comum" entre o Brasil e a Argentina do começo de 2023 com esta mais recente, que é muito mais promissora. Com aquela, se criariam condições para o Banco Central conceder crédito ao governo argentino. O Brasil, com sorte, financiaria seus exportadores. Mas, com esta, há condições para a ampliação de financiamento chinês a produtores, exportadores e, principalmente, importadores brasileiros. Como a China é o maior comprador das nossas exportações, o plano é auspicioso.


E a China, o que busca? Ampliar o financiamento aos seus importadores de commodities brasileiras e aos seus exportadores, ou seja, dinamizar o comércio com o Brasil. Mas o plano é mais ambicioso. O gigante asiático quer internacionalizar sua moeda —gerar demanda por poupança em yuan— sem renunciar à imposição dos controles de câmbio que controlam o fluxo de entrada e saída de capitais da China. É uma equação complicada.

A saída é criar ativos denominados em yuan fora do país. Um verdadeiro mercado de "euroyuans", para parafrasearmos o termo "eurodólar". (O "eurodólar" não tem nada a ver com o euro, a moeda da União Europeia, mas apenas designa a existência de obrigações em dólar fora dos Estados Unidos e originalmente na Europa).

Assim, no médio prazo, a ideia chinesa seria levar o Brasil a se juntar a outros países que já pertencem à rede de centros offshore que ofertam produtos financeiros denominados em yuans, tais como títulos de dívida pública e privada, ações e derivativos. Entre os países que já pertencem a essa rede de centros offshore estão Reino Unido, Estados Unidos, Argentina, Chile, Canadá, França, Alemanha, Japão e Coreia do Sul, entre outros.

Em sistemas mais avançados, como no Reino Unido, já é possível comprar —via bolsa de Xangai— recibos representativos de ações negociadas na bolsa de Londres. E é possível também fazer o caminho inverso, ou seja, comprar recibos representativos de ações negociadas na bolsa de Shanghai via bolsa de Londres.

Há em curso uma intensa disputa entre os Estados Unidos e a China pela hegemonia econômica, financeira, industrial e tecnológica. Aqui, o Brasil faz bem em procurar explorar as brechas que surgem neste duelo de gigantes.

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