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Larissa Luzia Longo

A desoneração da folha de pagamento deve ser prorrogada? NÃO

Instrumento fere isonomia e aumenta complexidade e custo de conformidade

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Larissa Luzia Longo

Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper

A Previdência Social é parcialmente financiada por contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de pagamento. As empresas, como regra, recolhem o equivalente a 20% da folha de salários e demais rendimentos do trabalho. Política implementada em 2011, contudo, possibilita que alguns setores da economia substituam esse recolhimento por contribuição incidente sobre o faturamento das empresas, com alíquota de 1% a 4,5%, a depender do setor. Essa substituição —conhecida como desoneração da folha de pagamentos— resulta em redução da tributação.

Quando criada, a política era focalizada e temporária, mas o rol de setores beneficiados foi expandido dos 3 iniciais para os 17 hoje contemplados —e seu prazo foi prorrogado diversas vezes. Prevista originalmente até 2014, a medida durará até o final de 2023, e o Congresso já discute prorrogá-la até 2027.

Ministros Fernando Haddad, Simone Tebet e Alexandre Padilha em reunião no Senado - Pedro Gontijo/ Senado Federal - Pedro Gontijo/Senado Federal

O projeto de lei 334/23 defende o novo prazo com justificativa na necessidade de "proteger os empregos no Brasil". Entretanto estudos econômicos indicam que esse objetivo não é alcançado.

Estudo do Ipea (2018) conclui que não há evidências robustas de efeitos positivos reais da medida. Mesmo as análises que verificam impactos concluem que a transferência do benefício ao trabalho é parcial e ínfima frente aos elevados custos com a perda de arrecadação. Apenas em 2022, a desoneração dos 17 setores custou R$ 8,5 bilhões.

Buamgartner, Corbi e Narita (2022) calculam que a medida aumentou o número de empregos em 5%, com a criação e crescimento de empresas nos setores beneficiados, sem impactar os salários. A pesquisa constata elevação de 59% nos lucros aferidos pelas empresas.

Análise do Ministério da Fazenda (2015) aponta que o custo fiscal de cada emprego gerado ou mantido pela medida é 300% maior do que o salário desses empregos.

A literatura internacional confirma resultados controversos de políticas similares. Jonathan Gruber, por exemplo, analisa a experiência do Chile com uma desoneração da folha e verifica a ausência de efeitos sobre o emprego.

Isso ocorre porque o benefício se baseia na premissa de que a desoneração reduz o custo do trabalho e possibilita que as empresas contratem mais, mas a contratação de mão de obra depende de outros fatores, como os custos dos direitos trabalhistas e a necessidade de mais trabalhadores —que se relaciona ao volume de produção. A benesse também pode ser absorvida pelas empresas na promoção de investimentos ou como aumento no lucro.

A medida produz efeitos indesejáveis porque não é neutra, fere a isonomia e aumenta a complexidade e o custo de conformidade. O novo tributo elevou os recursos despendidos pelas empresas para interpretar e cumprir suas obrigações tributárias, além dos custos administrativos e de fiscalização do fisco.

Ademais, a desoneração prejudica a Previdência, porque diminui seu custeio, mesmo sem redução de gastos —o que, consequentemente, afeta o déficit público.

Toda a formulação de política pública é uma escolha. Para que seja legitimada, eficaz e justa, essa escolha precisa se basear em evidências. Nesse caso, as evidências são claras: a desoneração da folha produz nenhum ou pouquíssimos efeitos positivos, concentrados em um pequeno grupo, é custeada por enorme renúncia fiscal e quem paga essa conta somos nós, a sociedade. A discussão sobre a prorrogação da medida não pode ignorar a mensuração de sua eficácia.

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