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Kátia Abreu

Junho de 2013: uma pergunta ficou sem resposta

Mudança política ainda não veio: por que os partidos não nos representam?

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Kátia Abreu

Psicóloga e empresária, é ex-senadora da República (2007-2022) e ex-ministra da Agricultura (2015-2016, governo Dilma)

Muita tinta foi gasta na imprensa, livros publicados e a internet está repleta de menções à ventania que irrompeu no Brasil em junho de 2013, deixando as instituições boquiabertas num estupor que sugeria o fim do mundo. Decorrido pouco mais de um mês, tudo havia se dissipado. Na superfície.

Dez anos depois, as análises continuam a alimentar a perplexidade. São várias as comparações. Lá fora, com a Primavera Árabe, com o Occupy Wall Street, com os coletes amarelos e até com Maio de 1968.

Aqui, com os caras-pintadas de 1992 e as passeatas de 2016. Alguns consensos existem. Eles apontam a ausência de organicidade nos eventos, o papel das redes sociais e o caráter difuso das reivindicações. Do protesto pelo aumento das passagens logo evoluíram para denunciar a violência policial, reclamar da má qualidade dos serviços públicos, da corrupção e dos gastos com a Copa do Mundo do ano seguinte. Além da insatisfação com os governantes.

Um dos aspectos que chamou atenção foi a exclusão dos partidos. Dos que estavam nos governos seria esperado, mas não dos que faziam oposição. Não só o fato de não serem chamados, mas de terem sido vetados. Bandeiras partidárias foram rechaçadas com contundência. Foi a primeira vez que isso ocorria. Sintoma de uma crise de representação de grandes proporções. Afinal, está escrito na Constituição que somos uma democracia representativa, e nela cabe aos partidos expressarem o clamor da cidadania.

Manifestações populares vulcânicas como as que completam uma década despertam questões para as instituições, que se veem compelidas a respondê-las. Se não o fazem, correm o risco de um divórcio perigoso entre elas e a sociedade, o que lhes reserva uma caminhada trôpega, enfraquecidas pela ausência de legitimidade. Os governantes, superado o trauma inicial, logo reagiram. As polícias foram contidas, e os aumentos das tarifas, equacionados.

O Congresso apressou-se a votar uma extensa pauta sintonizada com as reivindicações. E a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), reunida com governadores e prefeitos, anunciou cinco "pactos" com ações em saúde, educação, transportes, responsabilidade fiscal com combate à inflação e uma reforma política. A maioria se traduziria em medidas concretas. Porém, a mudança da política até hoje não veio. E uma questão ficou sem resposta. Talvez a maior, suscitada em certa medida de forma inconsciente por aqueles milhares, na sua maioria jovens, que tomaram as ruas naquele inverno tumultuado: Por que os partidos não nos representam?

A maioria da sociedade não se reconhece nos partidos. Esse é o principal drama da democracia brasileira, que explica sua fragilidade diante dos populismos e ajuda a compreender porque ela, anêmica, esteve perto de ser arruinada pelos atentados golpistas recentes. Também nos faz entender porque, como nação, estamos há tempos numa jornada de Sísifo, praticamente não saindo do lugar. Quando digo que compete às instituições oferecer uma resposta efetiva, não me refiro apenas aos Três Poderes. Falo das entidades, empresariais e de trabalhadores. Falo da imprensa, dos intelectuais, dos influenciadores das redes, das universidades. Falo dos democratas, de direita, esquerda e centro.

Nosso modelo de representação e de governança está doente. Não podemos aceitar como "normais" os sinais escancarados de patologia do sistema político que as manchetes esfregam nos nossos olhos. Que tal aproveitar o aniversário de 2013 como ponto de partida para uma reflexão construtiva sobre a pergunta que desde então permanece sem resposta?

TENDÊNCIAS / DEBATES
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