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Lucas Carlos Lima

O Consenso de Brasília e o direito internacional

Crises que o continente enfrenta não aguardarão muitas outras tentativas

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Lucas Carlos Lima

Professor de direito internacional da Faculdade de Direito da UFMG; membro da diretoria do ramo brasileiro da International Law Association

Se as manchetes mais imediatas e imediatistas cobrindo o encontro que reuniu 11 líderes sul-americanos em Brasília parecem focar nas divergências, nas frases de efeito e aguilhoadas de alguns dos participantes, um documento muito mais significativo foi produzido no dia 30 de maio de 2023: o Consenso de Brasília.

O diploma não é um tratado, tampouco é vinculante. É uma declaração política. Seu conteúdo, contudo, não é negligenciável. Demonstra a aquiescência de todos os participantes a valores importantes. Pode ser lido tanto como a mensagem que Estados desejam emitir bem como as ausências que podem reverberar pontos de inflexão.

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe presidentes de países da América do Sul para reunião - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Exemplo eloquente nesse sentido é o comunicado do dia 20 de maio emitido em Hiroshima, no Japão, no encontro do G7. Na ocasião, os sete países mais desenvolvidos do mundo desvelaram, entre outros assuntos, sua posição em relação à Guerra da Ucrânia, desnuclearização, inteligência artificial e sua relação com a China. O documento ressoou nas chancelarias do mundo, permitindo que formuladores de políticas captassem em qual direção o grupo rumaria.

No Consenso de Brasília, os líderes dos países sul-americanos indicam que somos uma região "comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de Direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e a não interferência em assuntos internos". O conteúdo não é certamente novo, mas o contexto faz esse consenso ser extremamente relevante.

Numa América do Sul que passa por turbulências institucionais e sente os efeitos das mudanças climáticas, o comprometimento com processos democráticos, respeito a direitos humanos e sustentabilidade constituem excelente ponto de partida a se concordar.

Recorde-se que a Venezuela denunciou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos em 2012, privando seus nacionais de um importante repertório de instituições que auxiliariam uma retomada permanente do Estado de Direito e da estabilidade institucional. Segundo a Corte Interamericana, o Brasil teria obrigação de envidar esforços para trazer a Venezuela de volta ao sistema. O mecanismo de supervisão e seguimento da cooperação bilateral entre Brasil e Venezuela, estabelecido na visita, pode ser um poderoso instrumento nesse sentido —independentemente das narrativas.

Também chama a atenção no Consenso de Brasília a criação do grupo informal dos chanceleres que dará um passo rumo a outro valor estribado no documento: a integração regional. Nossa integração regional é modelada por avanços e descontinuidades. Talvez as emergências e crises apontadas no documento (clima, guerra, segurança alimentar e energética, entre outras) possam finalmente impulsionar decisões políticas e jurídicas no continente sul-americano.

O Consenso de Brasília preferiu evitar a abordagem direta do G7 e não identificou a política a ser adotada com cada um dos atores envolvidos. Ele revela uma falta de consenso em reações à Rússia diante da agressão da Ucrânia e ao relacionamento com a China, bem como qual linha de ação seguir diante de turbulências institucionais e democráticas. A ênfase na não interferência nos assuntos internos é certamente um escudo contra a intrusão de elementos alheios ao continente —e princípio jurídico regional bem estabelecido. Todavia, existe profunda tensão entre o realce dos valores soberanos e a proteção da democracia e dos direitos humanos.

Nessa tensão, o Consenso de Brasília e seus instrumentos de colaboração e diálogo com todos os países sul-americanos é notável símbolo de sucesso da diplomacia. Que caminhe para uma institucionalização em que o direito internacional não seja descuidado à luz da necessidade de construção de consenso. As crises que o continente enfrenta não aguardarão muitas tentativas.

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