Descrição de chapéu
José Carlos Abissamra Filho

A descriminalização do porte de drogas é competência do Supremo? SIM

Com Congresso omisso, corte assume responsabilidade de rever legislação fracassada

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

José Carlos Abissamra Filho

Mestre e doutor em direito (PUC-SP), é advogado criminal; ex-diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e autor, entre outros, de “Política Pública Criminal - Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais”

A competência originária para a elaboração de políticas públicas é do Congresso Nacional, mas não é exclusiva. Os demais Poderes também têm essa prerrogativa. Por exemplo, quando o Poder Judiciário decide a legalidade de uma ação policial, está justamente verificando sua conformidade com a ordem jurídica, o que interfere diretamente no modelo de policiamento e, por sua vez, na política de segurança pública. O fato de o tema do momento ser relacionado à Lei de Drogas não muda essa realidade.

Há problemática a respeito dos recursos com repercussão geral no que diz respeito aos limites da matéria posta a julgamento, pois, em essência, o que se decide nessa situação é a tese para além do caso concreto. Isso realmente extrapola a causa sob júdice, invadindo seara de outros Poderes. Mas não há novidade aí. Goste-se ou não, esse tem sido o nosso sistema desde quando o instituto da repercussão geral entrou em vigor, há mais de 15 anos. Aliás, ainda que assim não fosse, ao decidir pela inconstitucionalidade de uma lei, qualquer Suprema Corte, em alguma medida, sempre influi sobre alguma política pública, atribuição originária de outro Poder.

0
Flores de maconha importadas com autorização da Anvisa para fins medicinais - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress - Folhapress


E é de sua da natureza fazê-lo, seja em relação ao tema das drogas ou de outras matérias de política pública. Vale lembrar que o direito de petição é um direito fundamental e, consequentemente, a cada pedido formulado ao Poder Judiciário haverá um provimento jurisdicional. Conforme texto expresso da nossa Constituição Federal, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Foi o caso, por exemplo, quando o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional o trecho do artigo 44 da Lei de Drogas, que proibia a conversão das penas privativas de liberdade em restritivas de direitos. Naquela oportunidade, não houve nenhuma celeuma. A corte informou o Senado a respeito da decisão sem que nenhum grande debate surgisse a partir daí.

Parece haver no ar algo de oportunista nesse levante contra a decisão do Supremo. Não fosse o tabu que sempre permeia as discussões a respeito da política de drogas (ou da ausência dela), provavelmente não teríamos esse debate. O que acontece é que nossa legislação a respeito do assunto é um estrondoso fracasso e, com a omissão do Congresso Nacional, o Poder Judiciário vê-se obrigado a se posicionar. Se a tramitação da matéria no Legislativo não avança por questões de natureza política, os demais Poderes têm, sim, competência para fazê-lo.

Essa tendência de travamento do debate no Parlamento em relação às drogas tem acontecido em outros países ocidentais, o que também não é nenhuma novidade: uma vez que o Congresso não decide, os tribunais vão lá e o fazem. Com efeito, alguém tem que decidir a respeito da evolução sobre o tema.

A retomada desse debate pelo Congresso Nacional é louvável, e uma certa indignação dos congressistas, compreensível. Mas é bom registrar que isso somente aconteceu porque o assunto chegou ao STF.

Democracia é assim mesmo. A discussão é saudável, mas necessita de mais do que retóricas. Se o Congresso Nacional vai revisitar o tema, que tenha seriedade e paute-se por dados científicos. Até aqui, 50 anos depois da adesão do Brasil à guerra às drogas, pouco se viu de idoneidade na elaboração de política pública tão fundamental.

Neste momento histórico, coube ao Supremo decidir. E deveria mesmo fazê-lo, eis que dentro do que é sua competência. Assim expressa nossa Constituição.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.