A atitude de perdoar quem infringe as regras legais possui efeitos colaterais bastante conhecidos. Quando a anistia ocorre com frequência, ela estimula nos atores o não cumprimento da legislação, pois fixa-se a expectativa de que as eventuais punições serão extintas adiante.
O problema se acentua quando os políticos que detêm o poder de decidir o perdão são os beneficiários diretos da medida. Os cidadãos que não dispõem desse privilégio passam a enxergar os legisladores com compreensível antipatia.
O fato de os congressistas estarem dispostos a abonar a transgressão de regras que eles mesmos aprovaram para regular a sua própria atividade eleitoral apõe uma camada adicional de indignação.
Fecha o quadro de uma anistia escandalosa saber que os partidos políticos, que pretendem ver-se livres de pagar multas à Justiça por suas faltas, sacaram do bolso dos contribuintes R$ 6 bilhões apenas no ano passado e dele retirarão outro bilhão neste ano não eleitoral.
O projeto de emenda constitucional que começou a tramitar em comissão especial na Câmara dos Deputados incorre em todos esses vícios. Apenas para começar, a amplíssima anistia em discussão faria evaporar a obrigação de partidos ressarcirem o erário em R$ 40 milhões pelas irregularidades na administração de recursos públicos no exercício de 2017.
Isso porque o Tribunal Superior Eleitoral julga a prestação de contas das agremiações com cinco anos de atraso. Se o perdão das punições sair como deseja a grande maioria do Congresso Nacional, a corte poderá perder seu tempo se tentar apurar os desvios ocorridos de 2018 a 2022, pois todo o período estará abrangido na anistia.
Passará impune a desobediência sistemática das regras que obrigam os partidos a sustentarem uma proporção mínima de vagas e de custeio para candidaturas de mulheres, pretos e pardos. A destinação de recursos públicos para finalidades absolutamente incompatíveis com o propósito de um partido político também será relevada.
Sem assegurar a sanção da Justiça, desembolsos como os já flagrados das verbas partidárias com compra de aviões, reforma de residências e aquisição de toneladas de carne permanecerão como um acinte ao pagador de impostos, que financia inadvertidamente a farra.
Está completamente fora de esquadro a dimensão que tomou no Brasil a apropriação de recursos da sociedade pelas oligarquias partidárias —escapa a qualquer princípio de boa representação política.
Associar o saque à permissividade no uso do dinheiro é tratar dezenas de milhões de brasileiros como otários. Os legisladores precisam entender em que mundo vivem e desistir dessa anistia absurda.
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