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Corrupção estimulada

Aniquilar a Lava Jato é tão errado quanto louvar investigadores vingadores

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Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal - Carlos Moura/SCO/STF

Havia um padrão nacional nas investigações de corrupção do passado. Policiais e procuradores levantavam indícios de crime e percorriam as etapas iniciais da persecução até que, provocadas por luminares da advocacia, as altas cortes derrubavam tudo.

O processo do mensalão, a evolução dos órgãos de controle e o advento de inovações legais como a delação premiada e o acordo de leniência em meados da década passada mudaram essa perspectiva —ou assim pareceu durante algum tempo, ao menos.

Coloca essa impressão em xeque a sucessão de eventos recentes que convergem para a aniquilação da Operação Lava Jato. Decisões esdrúxulas como a do ministro Dias Toffoli, que na quarta (6) praticamente fulminou o acordo com a Odebrecht, oferecem aos pessimistas o argumento de que aquele padrão do passado não se alterou.

Os termos da ordem do magistrado do Supremo Tribunal Federal caberiam num libelo militante, jamais numa manifestação da corte máxima. Toffoli dá mostras de implorar pelo perdão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —em 2019, o ministro inviabilizou a visita do então custodiado Lula ao funeral de seu irmão.

Essa trajetória errática ilustra o que ocorreu com a institucionalidade brasileira nesse período. Gestos do mesmo Toffoli quando presidente da corte na direção do bolsonarismo, como chamar o golpe de 1964 de "movimento", compõem essa passagem pouco inspiradora.

A decisão do tribunal constitucional que em 2016 permitiu o cumprimento da prisão após condenação em segunda instância recheou-se de ironias sobre como o sistema carcerário poderia melhorar com a presença de detentos ilustres. A Lava Jato e a maioria do STF estavam em congraçamento.

A vara de Curitiba tinha aval para acumular uma diversidade de casos sob sua alçada, mesmo que não relacionados aos desfalques na Petrobras. O argumento que, quando os ventos políticos mudaram, anulou as condenações de Lula esteve desde cedo escancarado, mas as cortes deixaram passar.

Não teriam sido necessários os grampos das inaceitáveis combinações entre procuradores e Sergio Moro nem a aventura do juiz na política bolsonarista para os tribunais terem podado os excessos.

Exagerou-se na louvação de vingadores no passado. Exagera-se agora na tentativa de apagar as provas consolidadas de corrupção generalizada que foram levantadas pela Lava Jato. Vai-se embora a criança com a água do banho.

Que não reste dúvida sobre o sinal para o mundo da política. A corrupção na alta administração voltou a ser crime de punição improvável —voltou a ser estimulada.

editoriais@grupofolha.com.br

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