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Txai Suruí e Mark Ruffalo

Pela Amazônia, Lula deve ir onde nenhum outro líder ousou

Ao abrir Assembleia Geral da ONU, presidente terá a oportunidade de mostrar se ambição climática é real

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Txai Suruí

Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental - Kanindé e do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, produtora-executiva do filme "O Território" e colunista da Folha

Mark Ruffalo

Ator, produtor, ativista e cofundador de "The Solutions Project"

Quando o presidente Lula subir à tribuna para abrir a Assembleia Geral da ONU nos próximos dias, os olhos do mundo estarão voltados para o Brasil. Após uma vida dedicada ao bem público, este é o momento do presidente, diante de todo o mundo, mostrar que o Brasil voltou e está pronto para liderar.

A crise climática oferece uma chance para a ascensão global do Brasil. Os horrores deste ano, como os incêndios em Maui ou as inundações na Líbia, deram à humanidade um gosto amargo de um mundo em constante aquecimento. O Norte Global, que já devastou grande parte de suas florestas e modos de vida dos povos indígenas, não está apto a liderar um mundo em chamas. Mas, graças à Amazônia, o Brasil está.

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Árvores são queimadas em área desmatada às margens da rodovia Transamazônica, no município de Lábrea, no Amazonas - Lalo de Almeida - 4.set.22/Folhapress - Folhapress

Lula certamente entende que tal liderança ascendente traria ao Brasil incríveis avanços em empregos, turismo, educação e além. Mas esse plano tem uma grande complicação: a Amazônia chegou a uma encruzilhada, e o futuro do Brasil como líder global depende de Lula decidir qual caminho tomar.

Permitam que esses dois criadores do mundo do cinema usem uma metáfora de filme. Imagine a história humana como um filme de grande sucesso. Avançando para o presente, somos lançados na batalha climática pela sobrevivência entre duas forças: uma visão de mundo exploratória que nos levará à extinção versus uma "visão regenerativa" que vê a conservação como uma oportunidade. No coração dessa batalha entre as visões exploratória e regenerativa está o destino da floresta amazônica.

Mas o tempo é curto.

A ciência demonstra que se não protegermos 80% da Amazônia em aproximadamente dois anos, ela poderá caminhar para um colapso. À medida que essas florestas exuberantes se transformam em terra arrasada, os ciclos de chuva são alterados e os animais morrem. De fato, isso provavelmente significaria que mais de 10 mil espécies estariam em maior risco de extinção. Além disso, fará com que mais pessoas sofram, especialmente os povos indígenas que estão na linha de frente.

A morte do bioma também infligiria um golpe irreversível na luta global contra a crise climática. Em primeiro lugar, a perda dessas árvores prejudicaria gravemente nossa capacidade de sequestrar carbono. Em segundo desencadearia a liberação de uma significativa onda de emissões de carbono na atmosfera, semelhante a uma "bomba de carbono".

De tempos em tempos, Lula está do lado certo dessa batalha. Por exemplo, ele diz que não precisamos derrubar uma única árvore para desenvolver a economia. Por outro lado, às vezes parece preso a uma antiga visão de mundo, incapaz de ver um futuro imediato sem petróleo —uma ameaça, por exemplo, que segue pairando sobre a Amazônia. A exploração de petróleo seria uma sentença de morte para a floresta e para a ambição de Lula, que deseja que o Brasil seja uma nação em ascensão.

Para se tornar essa nação, o líder brasileiro deve mostrar ao mundo e clamar por um amanhã onde a humanidade sobreviva e prospere com base na confiança em nosso destino comum como planeta. Em um mundo onde a confiança é constantemente minada, gerando conflitos, guerras, doenças e competição problemática, é preciso reconstruir a confiança para salvar a Amazônia.

A confiança é preciosa para construir amizade e fé. Lula precisa construir confiança entre países, pessoas e empresas. Com sua trajetória, sacrifício e crenças, ele é o único líder no cenário mundial capaz de fazê-lo. Além disso, precisará conquistar a confiança dos povos indígenas, aliados essenciais neste esforço cuja história com o governo brasileiro lhes dá todos os motivos para desconfiar. Se abraçar essa ambição, o presidente poderá embarcar no caminho para reconquistar a confiança que foi perdida durante os anos trágicos de Jair Bolsonaro e ao longo da história do país.

Desenvolver confiança e traçar uma visão inspiradora com clareza e profundidade, pode transformar o ponto de não retorno da Amazônia em uma oportunidade sem precedentes para o Brasil. O tesouro do Brasil é a Amazônia e as populações indígenas que nela vivem. Isso é o que a torna única, não os combustíveis fósseis. Lula tem em suas mãos a chance de mudar o mundo e o Sul Global, garantindo que o Norte Global libere os prometidos US$ 100 bilhões, associando-se a eles na criação de uma economia funcional para a Amazônia e seu povo e impulsionando o financiamento para a conservação.

Quando Lula estiver diante desse público global, ele poderá cumprir seu legado e demonstrar como o Brasil, com a Amazônia em seu centro, está pronto para se erguer como líder para um novo mundo emergente e multipolar. A questão é se Lula realmente internalizou o quão especial é o Brasil graças à existência da floresta amazônica. Muitos de nós estão convencidos de que ele tem esse nível de força e grandeza dentro de si. Mas, no final do dia, será sua escolha se posicionar diante disso.

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