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Acelino Rodrigues Carvalho

A PEC que permite derrubar decisões do Supremo é democrática? NÃO

É do Judiciário, não do Parlamento, o papel de intérprete último da Carta

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Acelino Rodrigues Carvalho

Advogado, mestre em direito processual e cidadania e doutor em direito público, é professor associado da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Um fenômeno tão aberrante quanto curioso tem marcado a sociedade brasileira nestes tempos de tensão quase permanente entre instituições de governo e a nossa principal instituição de garantia, o STF (Supremo Tribunal Federal).


Com o pretexto de estarem defendendo a democracia, pessoas e grupos políticos têm atuado exatamente no sentido contrário. Até recentemente, ouvia-se que manifestações de pessoas acampadas em frente a quartéis do Exército eram democráticas, ainda que os manifestantes estivessem postulando uma intervenção militar contra o resultado das eleições, isto é, contra o próprio método democrático. Era comum nesse movimento a exibição de faixas e a circulação de vídeos que, alegando estar em defesa do Estado democrático de Direito, atacavam a Suprema Corte utilizando como slogan a frase "Supremo é o povo".

A mais recente dessas aberrações consiste na apresentação da proposta de emenda constitucional 50/23, que pretende autorizar o Congresso Nacional a anular decisões do Supremo Tribunal Federal quando entender que a corte ultrapassou os limites de sua competência.

Conforme publicou o portal da Câmara dos Deputados no último dia 29, o autor da proposta, Domingos Sávio (PL-MG), justificou sua postura afirmando que, "se o Supremo Tribunal Federal, de forma controversa, decide e julga contrariando a própria Constituição e, portanto, a ampla maioria dos representantes do povo, o Estado democrático de Direito é colocado em risco".

Cabe aqui uma pergunta: qual é o motivo para tantas aberrações? Tudo indica tratar-se de uma incompreensão acerca do tema: o conceito de democracia sofreu mudanças ao longo da história, não se assentando atualmente apenas na ideia de maioria. Com efeito, a expressão "Estado Democrático de Direito", consagrada no artigo 1º da nossa Constituição, aponta para uma específica forma de organização política, explicitada no parágrafo único do mesmo artigo, à qual corresponde uma específica concepção de democracia: "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Aqui se fundem dois princípios de racionalidade da organização política aos quais correspondem, respectivamente, as concepções de liberdade dos antigos e dos modernos: a democracia é a fonte de legitimidade do poder; a Constituição impõe limites ao exercício desse mesmo poder. Em conclusão, tem-se um Estado democrático e constitucional de direito ou, simplesmente, uma democracia constitucional.

Esse modelo de organização política viabiliza-se através da separação de Poderes, não como uma separação estanque, mas como um sistema de freios e contrapesos, no qual cabe ao Poder Judiciário, não ao Parlamento, o papel de intérprete último da Constituição.

É evidente que o Supremo pode errar e, quando isso ocorrer, não havendo recurso contra a decisão, resta a crítica política, científica etc., com vistas ao seu aprimoramento institucional. Jamais, porém, a revisão de suas decisões pelo Parlamento. Uma pretensão dessa natureza constitui-se não apenas numa postura antidemocrática mas, acima de tudo, autoritária.

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