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Natalie Unterstell e Sergio Margulis

O projeto que regula o mercado de crédito de carbono é adequado? SIM

Precificação é pilar essencial para o Brasil honrar metas e compromissos ambientais

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Natalie Unterstell

Presidente do Instituto Talanoa; mestre em administração pública (Universidade Harvard)

Sergio Margulis

Ex-economista do Banco Mundial, coordenou o Program for Market Readiness

Faz sete anos que o Brasil se comprometeu com o Acordo de Paris, firmando sua responsabilidade frente à descarbonização. Hoje, com o projeto de lei 412/2022, aprovado pelo Senado e à espera de deliberação na Câmara dos Deputados, o país tem a oportunidade única de alinhar-se às mais modernas políticas climáticas do mundo, regulando as emissões da forma mais barata, que é via mercado de carbono.

Um dos maiores trunfos da proposta é que o desenho do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) foi feito com base na experiência internacional e em anos de estudos por cientistas e reguladores brasileiros, como o Program for Market Readiness (PMR), do Banco Mundial. A partir do SBCE haverá um aumento da eficiência econômica da transição para baixo carbono: à medida que empresas e setores recebem um sinal de preço, podem avaliar o momento certo de realizar melhorias tecnológicas e de criar ou encerrar a vida de produtos —ou então compensar emissões via compra de cotas de outras indústrias ou certificados de redução de emissões.

Vista aerea do viveiro de mudas da Re.green, empresa de restauração de florestas e créditos de carbono em Piracicaba (SP) - Zanone Fraissat - 2.mar.2023/Folhapress

O PL estabelece elementos essenciais, como limites de emissões e critérios de alocação dos direitos de emissão e governança, garantindo integridade e eficácia ao sistema. Também impõe penalidades robustas, desenhadas para assegurar que sempre será mais vantajoso cumprir a lei do que desrespeitá-la.

A gestão será centralizada pelo governo federal, considerando que a obrigação de controle de emissões, conforme tratados internacionais, é do Estado.

O projeto ainda prevê a possibilidade de créditos de carbono do mercado voluntário serem reconhecidos e integrados ao sistema, oferecendo segurança jurídica aos operadores. Outro ponto de destaque é o respeito intransigente aos direitos indígenas. Ao reconhecer os direitos das comunidades sobre ativos de carbono em seus territórios, a lei reforça a importância desses povos como guardiões de nossos biomas e promove justiça climática.

Em vez de ser prescritivo, o PL é estruturado como uma norma programática, sendo suficientemente abrangente e flexível. Isso permitirá ajustes constantes e detalhamento por meio de regulamentação. Questões como multas e governança devem ser refinadas na fase infralegal.

A exclusão da agropecuária primária, por sua vez, é uma conclusão dos estudos da PMR e de experiências internacionais, não uma omissão. Modelos bem-sucedidos, como o da Nova Zelândia, mostram que a incorporação da agricultura primária pode ser mais problemática do que benéfica.

Assim, ainda que a Frente Parlamentar da Agropecuária tenha sido bem-sucedida em excluir atividades primárias de forma expressa no texto aprovado no Senado, em nenhum momento essa decisão desfigura o mercado. A medida pode, sim, prejudicar a imagem do setor agro, mas na prática não afeta em nada o sistema de comércio brasileiro. Isso porque o SBCE está desenhado para cumprir seu objetivo de forçar a transformação da indústria, não punir emissões. Prova disso é que os frigoríficos são pertinentes à estrutura proposta no PL. Isso cobre potencialmente a pecuária, o principal poluidor do agro (excluídos os desmatamentos), com 15% das emissões nacionais.

Finalizamos reforçando que a precificação do carbono é apenas um dos pilares para o Brasil alcançar a meta de zerar emissões líquidas em 2050. Sem ela, o compromisso do Brasil junto ao Acordo de Paris de limitar as emissões nacionais em 1,2 bilhão de toneladas até 2030 se tornará inatingível.

Estamos diante de um momento decisivo, que exige prudência e perspectiva de longo prazo. Se o texto-base for reaberto, corre-se o risco de estender indefinidamente as negociações políticas e comprometer a solidez e relevância do projeto diante da urgência climática. Como a caixa de Pandora, uma vez aberta, suas consequências são irreversíveis. Melhor deixá-la fechada.

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