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Aramis Macêdo

Patrimônio cultural precisa estar onde está a comunidade

Política pública deve ser pensada como forma de criar pontes entre envolvidos

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Aramis Macêdo

Historiador, gestor cultural, articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais e membro do Ponto de Cultura Clube Carnavalesco Mixto Seu Malaquias

A Constituição Federal preceitua em seu artigo nº 216 que a proteção do patrimônio cultural é responsabilidade do poder público e deverá acontecer em "colaboração com a comunidade", especialmente porque esse patrimônio deve ser portador de "referência à identidade, ação e memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira". Entretanto é muito comum percebermos que a participação social no processo de eleição e gestão de bens culturais é minimizada em decorrência da atuação monopolizada de "especialistas" e "profissionais" do patrimônio.

O alijamento da população nesse processo de reconhecimento e gestão dos bens culturais ainda é consequência dos períodos autoritários que compõem a história da construção do Estado e da sociedade brasileira, nos quais os direitos sociais eram mínimos e os direitos culturais eram exercidos por uma minoria —que utilizava as suas referências culturais como instrumento de dominação e imposição de um modo de ser, fazer e viver que não representava a identidade, a ação e a memória da maioria da população.

Contudo, o histórico de luta por democracia e a construção da Carta de 1988, que completou 35 anos recentemente, trouxe uma nova perspectiva sobre a centralidade do protagonismo social na gestão pública como indicador de qualidade de cidadania. Essa mesma perspectiva se aplica à participação social no processo de eleição e gestão de bens culturais.

Nesse sentido, não é possível pensar a construção de políticas culturais, principalmente as relacionadas ao patrimônio cultural, sem a participação e o protagonismo social e para além da "comunidade dos especialistas" no campo. É preciso deslocar o centro de interesse das políticas culturais para as reais necessidades culturais das comunidades, garantindo, de fato, o livre e efetivo exercício dos direitos culturais e da cidadania.

No estado de coisas da democracia brasileira e no intuito de garantir o seu fortalecimento, toda política cultural que não provenha da comunidade e "que não fortaleça a sociedade civil e não atenda a seus interesses não têm mais razão de ser" (Teixeira Coelho, 2014, p. 442). Assim também, os processos de eleição e gestão de bens culturais que não fortaleçam a sociedade civil e não garantam o seu protagonismo não possuem mais razão de existir em função do seu teor antidemocrático e de anticidadania.

Para garantir a cidadania nesses processos é preciso entender as políticas culturais como uma parceria entre as formas organizativas da sociedade civil e o Estado para atingir determinados fins culturais, relação que traz em seu bojo o potencial de transformação humana e social. Afinal, não são políticas apenas pensadas para os indivíduos e suas comunidades, mas que devem emanar desses mesmos indivíduos e comunidades sob pena de não possuir representatividade.

Também é necessário pensar a política cultural, em especial a de base comunitária, como uma forma de "criar pontes" entre os agentes envolvidos. Nesse sentido, Célio Turino (2021) ensina que uma política e uma gestão cultural de base comunitária devem criar condições para o "desabrochar" do protagonismo, do empoderamento e da autonomia sociais.

Dessa forma, também a eleição e a gestão de bens culturais devem configurar-se como um conjunto de ações conduzidas e indicadas pelas próprias comunidades. Assim, teremos cada vez mais bens culturais reconhecidos que estão intimamente integrados ao cotidiano das pessoas e menos bens culturais abandonados à própria sorte e às intempéries ambientais e sociais.

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