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Carolina Ricardo

Ações do governo federal podem melhorar a segurança do Rio de Janeiro? SIM

Desde que trafegue outros caminhos; crise reforça papel de articulação e financiamento

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Carolina Ricardo

Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz

O governo federal pode contribuir para a segurança pública do Rio de Janeiro desde que evite fórmulas já conhecidas: reforço em operações especiais e incursões nas comunidades, retomada temporária de territórios por meio do confronto, decretos de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e uso da Força Nacional por períodos determinados. Essa receita já foi usada, e seus péssimos resultados são conhecidos. Se o governo federal quiser realmente contribuir para a segurança pública e ajudar o estado a superar o domínio do crime organizado, precisa trafegar por outros caminhos.

O poder do crime organizado avançou de maneira particularmente grave no Rio de Janeiro, somando falhas das forças de segurança do estado, a disputa entre diferentes facções do crime e o desafio das milícias, que cresceram nas fissuras do poder público. O Rio precisa de uma grande articulação interfederativa, na qual o governo federal deve ter papel central. Mas convém qualificar essa contribuição.

Embarcação da Marinha atracada no porto de Santos (SP), como parte da operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) em portos e aeroportos de São Paulo e do Rio - Jota Erre/Photo Premium/Folhapress - Photo Premium

Por princípio, o governo federal já deve ter papel fundamental na orientação, coordenação e financiamento das políticas de segurança pública, em articulação com estados e municípios. A crise fluminense torna esse papel ainda mais decisivo.

O pacote de ações lançado pelo Ministério da Justiça avança ao constituir uma força-tarefa para lidar com a lavagem do dinheiro das milícias e das facções do Rio. Esse é o tipo de apoio que se espera: uso da inteligência para neutralizar o sistema de sustentação financeira do crime. O governo federal também acerta ao assegurar que o policiamento ostensivo não cabe aos militares —uma experiência que custou muito à sociedade em 2018 e sem resultados.

Faz menos sentido, porém, dar às Forças Armadas poder de polícia para agir em portos e aeroportos. Eventualmente, o patrulhamento em portos para evitar a intrusão de ilícitos nas cargas pode ser útil; no entanto, para as vistorias cotidianas, é mais efetivo investir na Polícia Federal e na Receita Federal, em infraestrutura e em permanentes procedimentos sólidos.

Respostas de curto prazo são insuficientes. É preciso promover ações de médio e longo prazo que passem pelo sufocamento do dinheiro do crime organizado, com o fortalecimento do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e com a articulação entre Receita, Polícia Federal, polícias locais e Ministérios Públicos por meio de planos focalizados e perenes.

É preciso, ainda, enfrentar o envolvimento das forças de segurança com o crime organizado no Rio de Janeiro. Por isso, lidar com as milícias e a corrupção institucional é essencial. Para tanto, é imprescindível fortalecer corregedorias independentes nas polícias e de grupos especializados nos Ministérios Públicos —e, paralelamente, criar incentivos para uma atuação policial mais democrática e orientada para a redução dos crimes mais graves.

Deve incluir também investimentos federais no aumento da capacidade de investigação e de elucidação de homicídios, que hoje seguem no Rio majoritariamente não solucionados. Não menos importante, promover o fortalecimento da capacidade do estado e de municípios na regulação e prestação de serviços para minar o domínio territorial ilegal.

Nada disso é simples, fácil e rápido. Mas, numa área de responsabilidades compartilhadas, ter um governo federal ativo e articulado com os estados é fundamental para efetivar mudanças substantivas para que alcancemos uma segurança pública e democrática —tão desejada e ainda tão distante da realidade.

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