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Carolina Ignarra

Até quando a Lei de Cotas será ameaçada?

Projeto que flexibiliza contratação de pessoa com deficiência exime empresas de inclusão

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Carolina Ignarra

CEO e sócia-fundadora do Grupo Talento Incluir

Não tem um ano sequer que a Lei de Cotas não sofre alguma ameaça. Novamente, o projeto de lei 1.231/2015 —do deputado federal Vicentinho Júnior (PP-TO)—, que estava estacionado, volta a tramitar na Câmara dos Deputados e vem com o objetivo de flexibilizar a obrigatoriedade de contratação de pessoas com deficiência pelas empresas, como prevê a Lei de Cotas (art. 93 da lei 8.213/91).

As empresas, que já não atendem a Lei de Cotas na totalidade, com a aprovação desse projeto ficariam ainda mais à vontade para não cumprir, já que propõe mecanismos de facilitação para aquelas que não alcançam a cota mínima. Um retrocesso e um incentivo ao capacitismo estrutural, que oprime e exclui pessoas com deficiência do mercado de trabalho por preconceito.

Infelizmente, o Brasil ainda é um país onde as empresas contratam pessoas com deficiência (PcD) por exigência da Lei de Cotas. Seria ótimo se não precisássemos dela para oferecer trabalho e desenvolvimento profissional para esses cidadãos, mas não é essa a nossa realidade ainda e as estatísticas comprovam isso.

O Brasil tem cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência, que representa 8,9% da população, segundo o IBGE. No entanto, os dados divergem das estatísticas globais, que indicam uma taxa de 15% (1 bilhão de pessoas com deficiência).

Segundo a Relação Anual das Informações Sociais (Rais) de 2021, 9 milhões de PcD estão aptas ao trabalho, mas só 521 mil possuem empregos com carteira assinada. Cerca de 8,5 milhões, aptas para o trabalho, ainda não foram contratadas. Como ficaria esse número se não fosse a Lei de Cotas?

É inegável a contribuição do regramento para a inclusão das pessoas com deficiência. Ele tem sido o primeiro motivo de abertura de vagas nas empresas. Flexibilizá-lo beneficia só as empresas, eximindo-as da responsabilidade da inclusão.

Dar emprego e oportunidade de crescimento na carreira à pessoa com deficiência traz um avanço comprovado de inovação, de cultura de inclusão e respeito nas equipes. Quem não convive com as pessoas com deficiência não é capaz de criar para elas produtos e serviços, não as considera como consumidoras que de fato são.

A PcD repudia toda e qualquer iniciativa que venha ainda mais oprimir ou impor novas barreiras contra uma vida mais justa, acessível e digna para todos. Nenhuma empresa, nos dias de hoje —quando se busca a humanização das lideranças, das relações, focadas em uma atuação ESG— deveria aceitar uma atitude tão retrógrada e que prejudica uma jornada já em construção, de respeito a todos os seus públicos.

A Lei de Cotas não é um privilégio. Ela busca transformar aos poucos o conjunto de valores e crenças do mercado de trabalho em prol de uma sociedade mais justa para todos. Há quem acredite que ainda serão necessárias mais quatro décadas de cumprimento do diploma para atingirmos uma situação mais favorável e equilibrada na geração de oportunidades de trabalho. Hoje, menos de 1% dos cargos de liderança das 500 maiores empresas do Brasil está ocupado por PcD.

A inclusão é um processo que humaniza a empresa, e essa tem sido uma demanda da sociedade, porque é necessária para manter contratos, clientes etc. Um governo sério e comprometido com a população deve "enterrar" de vez toda e qualquer iniciativa capacitista, que reforça estereótipos e promove inseguranças para a empregabilidade da pessoa com deficiência.

A Lei de Cotas é uma medida transitória de equidade para transformar uma realidade de desigualdade social. É importante ressaltar que, na jornada da inclusão, a pessoa com deficiência ainda precisa percorrer o dobro do trajeto para chegar à metade do caminho. Até quando sobreviveremos a tantos ataques?

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