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Carlos Bocuhy

O planeta em 'fritura e ebulição climática'

Proteção da saúde pública exigirá novas políticas

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Carlos Bocuhy

Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

Ondas de calor, como as que ocorrem no Brasil agora em novembro, com temperaturas que batem os 40ºC, passaram a ser eventos extremos batizados por climatologistas com nome próprio, assim como furacões.

Com fina ironia, os extremos de calor da Europa neste verão receberam da Sociedade Meteorológica Italiana nomes extraídos da "Divina Comédia": Caronte, o barqueiro que entregava almas ao inferno; e Cérbero, o monstro que as impedia de voltar.

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Pessoas bebem água no entorno da praça da Liberdade em dia de calor em São Paulo - Rubens Cavallari - 12.nov.2023/Folhapress - Folhapress

O calor extremo promete ser constante e potencializado pelos efeitos cíclicos do El Niño, que ressurge cada vez mais intenso em função do aquecimento global. Em nova versão, que se expande para além das águas do Oceano Pacífico, surgiu uma espécie de El Niño global, afetando ecossistemas e a vida no planeta.

É preciso compreender os crescentes impactos do aquecimento. Evoluem acima do esperado, informou recentemente o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), reforçado por declarações contundentes das Nações Unidas de que estamos em "fritura e ebulição climática".

Especialistas ligados à Organização Mundial da Saúde têm reiterado recomendações para que se incorpore ao Acordo de Paris a obrigatoriedade de um programa para assistência à saúde da população, que passa por tais processos sem preparo e sem compreender sua gravidade.

A OMS afirma que, entre os eventos climáticos extremos, o mais letal é o calor. Como complicador de morbidades, mata milhões de pessoas ao ano. A Faculdade de Saúde Pública da USP confirma que, acima de 29ºC, o número de óbitos por causas naturais é o dobro do que o normal.

A Europa nos traz lições sobre esses desafios, após as consequências dos verões de 2022 e 2023, além de outros no passado. Para além dos incêndios que devastam cidades e seu entorno, ameaçando vidas, destruindo florestas e biodiversidade, outra dimensão deve ser considerada, a proteção dos mais vulneráveis: idosos, crianças ou enfermos, cujos organismos são mais suscetíveis às altas temperaturas.

Em algumas áreas da Europa, durante ondas de calor longas e intensas, idosos não podiam sair de casa, sob pena de danos à saúde. O calor se tornou a nova Covid. Na França e na Itália, temperaturas escaldantes forçaram governos a tomar medidas extraordinárias, determinando a ação de assistentes sociais para contornar o isolamento e suprir necessidades básicas.

O Brasil terá que enfrentar extremos de calor com políticas públicas eficazes de adaptação climática, que envolverão novos desafios para a proteção da saúde pública, especialmente na adaptação das cidades.

Dentro de nossas perspectivas de vivenciar eventos extremos, devemos nos valer da centenária e modernista antropofagia cultural, que agora se reveste da agenda climática: digerir, absorver e adaptar muito da expertise, há muito em curso, especialmente na Europa. A tropicalização dessa experiência deve evitar ironias, tal qual a de Mário de Andrade sobre brasilidades, para que não se nomeie a onda de calor de "Macunaíma".

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