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Jamil Assis

O que está em jogo na discussão da independência entre os Poderes

Faz-se necessário um debate plural e democrático sobre questões críticas

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Jamil Assis

Relações institucionais do Instituto Sivis, think tank apartidário focado em valores democráticos

Não é preciso concordar com o "complexo de vira-latas", como diria Nelson Rodrigues, para reconhecer que a qualidade da democracia brasileira não é das melhores —e apresenta tendências preocupantes.

Iniciativas nacionais, como o projeto Qualidade de Democracia da USP, e internacionais, como o Varieties of Democracy (V-Dem) e o Índice de Democracia da The Economist, documentam nossos principais desafios. Estes incluem corrupção crônica, miséria persistente e a crescente polarização que prejudica o diálogo e a livre expressão.

Os presidentes do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em comemoração aos 35 anos da promulgação da Constituição brasileira - Pedro Ladeira - 5.out.23/Folhapress - Folhapress

Um dos aspectos mais notáveis da discussão atual é a independência e a separação entre os Poderes, que estão sendo submetidas a um escrutínio rigoroso, colocando à prova nossa democracia. Esse debate ganhou destaque com a apresentação de várias propostas legislativas nos últimos tempos: a PEC 8/2021, do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), que busca limitar decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal; a PEC 50/2023, do deputado Domingos Sávio (PL-MG), que concede ao Congresso o poder de anular decisões do STF que ultrapassem os limites constitucionais; e a PEC 51/2023, do senador Flávio Arns (PSB-PR), que estabelece mandatos de 15 anos para membros da corte, bem como critérios revisados para a seleção de novos juízes.

Essas reformas não são novidade nos debates globais sobre democracia. Acadêmicos como Larry Diamond, professor de Stanford, apoiam reformas nas supremas cortes, como limitações de mandato, para evitar partidarismos. Ernst Wolfgang Böckenförde, que foi juiz do Tribunal Constitucional da Alemanha, enfatiza a necessidade de controles recíprocos entre os Poderes para evitar que o guardião da Carta se torne senhor da Constituição.

Definir os limites legítimos da interferência entre os Poderes para preservar uma democracia não é tarefa fácil. Em particular num momento em que a tensão entre os Poderes cresce, evidenciada nas articulações de frentes parlamentares e partidos de oposição para obstruir sessões e votações no Congresso.

Em pesquisa recente do Instituto Sivis com a população e o Parlamento, 41,8% dos brasileiros se mostraram insatisfeitos com a atuação do Congresso na defesa da liberdade de expressão, sendo o Poder de nível federal mais mal avaliado no tema. Isso sinaliza uma demanda para um maior, ou no mínimo melhor, posicionamento do Legislativo.

Podemos iniciar uma discussão sobre essa atuação do Congresso reforçando um princípio fundamental das democracias que adotam a separação de Poderes, como a nossa desde 1988 (art. 60, § 4º da Constituição): o Parlamento é o local onde o dissenso e a criação de novas propostas para o país devem encontrar terreno fértil. Neste momento, é no Legislativo, que idealmente representa mais fielmente a diversidade de nossa população, que devemos buscar mais apoio quando se faz necessário um debate plural e democrático sobre questões críticas.

O perigo do autoritarismo reside na tentativa de impor decisões que, embora possam ser corretas e defendidas por uma parcela da população, podem não estar sendo discutidas no seu devido fórum, desequilibrando a harmonia dos três Poderes, tão necessária para uma democracia saudável e plural.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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