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Aprendizado chileno

País encerra processo de troca da Constituição, que se mostrou contraproducente

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Gabriel Boric, presidente do Chile, vota em plebiscito sobre nova Constituição, em Santiago - AFP/Presidência do Chile

Terminou de maneira anticlimática, mas instrutiva, a novela da troca da Constituição do Chile.

No domingo (17), o eleitorado chileno rejeitou, por 55,8% a 44,2% dos votos, a proposta de nova Carta elaborada por um colegiado eleito de maioria direitista, incluindo expressiva parcela de radicais.

Em setembro do ano passado, outro texto constitucional, daquela vez elaborado pela esquerda, fora recusado pela população por uma margem ainda mais ampla, de 61,9% a 38,1%.

O frenesi legiferante, como se sabe, teve início após a onda de protestos populares, não poucos violentos, que sacudiu o país em 2019. A resposta das forças políticas às manifestações difusas de insatisfação foi a substituição da Carta redigida em 1980, sob a sangrenta ditadura de Augusto Pinochet.

A gangorra ideológica dos últimos anos não chegou a uma solução satisfatória para os anseios dos eleitores. Primeiro, uma assembleia esquerdista, com apoio do jovem presidente Gabriel Boric, 37, produziu um texto que virava do avesso quase todo o ordenamento jurídico do país.

Contemplava-se ali o pleito, muito presente nos atos de 2019, de ampliação da previdência pública. A isso se somavam ensino superior gratuito, liberação do aborto, reformulação do Senado e da estrutura de governo e previsão de 50% de mulheres em todos os órgãos de Estado, entre outras mudanças.

Em comparação, a proposta rejeitada no domingo era bem menos ambiciosa, ao estilo conservador de seus formuladores. De pior, trazia empecilhos à interrupção da gravidez e um tom hostil a migrantes irregulares.

Com a segunda resposta negativa dos chilenos, encerra-se o processo constituinte —e o país, mesmo que por vias tortuosas, não se deixou seduzir pelo fascínio que a redação de novas Cartas costuma despertar no continente.

A despeito de ter sido gestado originalmente por uma ditadura, a Constituição chilena não impediu uma estabilidade democrática que já dura mais de três décadas. Nesse período, o Chile foi um exemplo de sucesso econômico na vizinhança, com renda hoje similar à de países desenvolvidos.

Se há demanda da sociedade por mais ação do Estado e proteção social, nada impede que o texto seja alterado a partir de entendimentos políticos. A ideia de reviravolta completa e redentora é, não raro, ilusória e contraproducente.

editoriais@grupofolha.com.br

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