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Glauco Arbix

Guerras e desgoverno global prenunciam mais violência pela frente

Com Trump 2 no horizonte, uso da força como solução ilusória ganha escala

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Glauco Arbix

Professor titular de sociologia, é pesquisador do Centro de Inteligência Artificial e do Instituto de Estudos Avançados da USP; ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos)

Alexei Navalni, líder da oposição a Vladimir Putin, morreu na prisão do "Lobo Polar", ao norte do Ártico, reconhecida pela brutalidade contra seus prisioneiros. O anúncio oficial indicou "mal súbito" como causa mortis, gerando dúvidas pelo mundo todo dado o tratamento nada cordial com que o presidente russo dispensa aos oponentes.

Para muitos, o trágico fim de Navalni rememora traços de figuras malignas criadas pela literatura russa. Como o príncipe Vassili Kuraguin, no "Guerra e Paz" de Tolstói, que encarna um conspirador emérito, arrogante e sombrio; ou Pliuchkin, de Gógol, mestre das fraudes e senhor da ganância; ou ainda Pavel Smerdiakov, que Dostoiévski moldou com o ódio pela humanidade no seu "Irmãos Karamázov". Putin quer fazer parte desse elenco.

O presidente Russo, Vladimir Putin, e o ex-presidente dos EUA Donald Trump durante reunião no G20, no Japão - Kevin Lamarque - 28.jun.19/Reuters - REUTERS


Navalni definhou lentamente após intoxicação por novichok, em 2020, o veneno preferido das agências russas de segurança. Foi salvo no hospital Charité, em Berlim. Ao voltar a pisar na Rússia, em 2021, foi condenado, encarcerado e humilhado.

Navalni morreu aos 47 anos. Havia comparecido a uma audiência legal no dia anterior à sua morte disposto e bem-humorado. Sua esposa, Iulia, amigos, seguidores e lideranças mundiais negaram a existência de qualquer transtorno de saúde. Ou seja, indicaram que Navalni havia morrido de morte matada.

Críticos de Putin não costumam ter vida longa. Boris Nemtsov, físico, ex-ministro de Boris Yeltsin, foi assassinado a tiros, com sua esposa, nos arredores do Kremlin, em 2015. Stanislav Markelov (defensor dos direitos humanos) e Anastasia Baburova (jornalista) foram fuzilados em 2009. Anna Politkovskaya, jornalista e crítica da guerra na Tchetchênia, foi eliminada em 2006. Até Ievguêni Prigojin, mercenário, comandante do Grupo Wagner e por anos serviçal do Kremlin, morreu em um acidente aéreo após se rebelar contra Putin. Apesar de ideologias distintas, e nem sempre com missões honrosas, todos encontraram o fim após fricções com o líder russo.


Navalni ampliou a lista. Mesmo confinado, tirava o sossego de Moscou. Sua aguerrida organização política tinha presença constante nas redes sociais via vídeos, podcasts e artigos sobre a corrupção e incompetência do governo. Um espinho na garganta de Putin.

A morte de Navalni não sacudiu a Rússia. A Guerra da Ucrânia aumentou os custos da dissidência e tornou o ar rarefeito para a desobediência civil. Sanções têm efeito limitado, e a crise de governança global, a começar pela ONU, deixa autocratas à vontade. É a mesma impotência diante dos ataques de Netanyahu contra a população palestina, que extrapola em muito o direito à autodefesa.

Apesar das diferenças, Putin e Netanyahu guardam semelhanças. Ambos são temperados pelo preconceito; são expansionistas; enlameados pela corrupção; têm fé na impunidade. Mesmo sem avalizar associações, ainda que retóricas, com o Holocausto nazista, ninguém tem o direito de ignorar as bombas contra a população na Palestina e a crueldade dos massacres em Mariupol, Bucha e Chernobyl.

Netanyahu é contra a paz e fecha a via para a existência de dois Estados no Oriente Médio. Putin quer a "Grande Rússia" e ameaça diretamente a Europa, ampliando a instabilidade global.

Com Trump 2 no horizonte, o uso da força como solução (ilusória) se tornará ainda mais presente, com forte impacto político entre os emergentes. Se acertar o alvo e o tom, o Brasil à frente do G20 poderá ajudar o mundo a preservar o pouco que resta de nossa humanidade.

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