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Ligia Maura Costa

Julian Assange deve ser extraditado para os EUA? SIM

À sombra da Justiça; ele ainda não foi julgado, embora já tenha sido absolvido pela opinião pública

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Ligia Maura Costa

Advogada e escritora, é professora titular na FGV-Eaesp e presidente da Comissão de Governança e Integridade da OAB-SP

O debate sobre liberdade de imprensa e responsabilidade criminal por vazamento de informações confidenciais atinge seu ponto alto no caso de Julian Assange, fundador do site WikiLeaks. No momento, contudo, este é um falso debate. Ele ainda não foi julgado pelos atos que praticou, embora já tenha sido absolvido pela mídia e pela opinião pública. Assange está à sombra da Justiça. Nos últimos dias, a Alta Corte britânica avalia se o ato em questão pode ser considerado um crime político, decidindo se confirma ou reverte a decisão favorável à extradição para os Estados Unidos.

Assange enfrenta acusações de espionagem devido à invasão de computadores norte-americanos e à divulgação de milhares de documentos confidenciais sem o devido tratamento jornalístico. A falta de abordagem jornalística na publicação resultou na identificação de agentes norte-americanos, assim como de informantes. Muitos foram obrigados a deixar suas casas e fugir de suas terras natais, enquanto outros simplesmente desapareceram.

O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, durante discurso na Embaixada do Equador, em Londres - Peter Nicholls - 5.fev.16/Reuters - REUTERS

Nascido na Austrália, Assange foi condenado na juventude em seu país a pagar uma multa por hackear computadores, incluindo os da Nasa e do Pentágono. Desde 2019, ele está detido no Reino Unido, após viver por sete anos na Embaixada do Equador em Londres, buscando evitar a extradição para a Suécia, onde enfrentaria acusações de agressão sexual e, posteriormente para os EUA, por espionagem e divulgação de documentos confidenciais.

Em 2022, a Alta Corte britânica decidiu favoravelmente à extradição, argumentando que tal ato não configura injustiça nem abuso de direito. Ela ressaltou que tal medida não viola os direitos humanos, pois não há razão para supor que Assange não teria um julgamento justo.

Em seu último recurso, a defesa de Assange alega que se trata de um crime político e, portanto, não pode ser objeto de extradição. Do outro lado, o Departamento de Justiça norte-americano sustenta a manutenção da decisão favorável à extradição para que ele responda às acusações perante as cortes norte-americanas. As acusações abrangem a invasão e divulgação de informações confidenciais sem abordagem jornalística, resultando em risco à segurança nacional e exposição dos nomes de agentes norte-americanos e informantes. Esse cenário descaracterizaria o crime como político, pois ultrapassa o escopo de ataque à ordem política ou governamental.

A extradição gera controvérsias sobre ameaças à liberdade de imprensa. A 1ª Emenda da Constituição americana garante os direitos fundamentais à liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade de religião. A decisão sobre os atos de Assange, se estão ou não protegidos pela liberdade de imprensa, só pode ser, exclusivamente, da Justiça, sendo, neste caso, de competência do Judiciário norte-americano.

Se Assange for julgado por suas ações, será válido questionar se o direito à liberdade de imprensa está resguardado quando ocorre a divulgação de informações sensíveis sem a devida abordagem jornalística, colocando em risco a segurança nacional e a segurança de agentes do governo e de informantes.

Como responder às vítimas que tiveram seus nomes divulgados? A decisão desta e de outras indagações somente ocorrerá mediante o julgamento de Assange pelos atos que praticou. Caso contrário, ele nunca será julgado. Assange permanecerá à sombra da Justiça.

Independentemente do desfecho na Alta Corte britânica, os EUA devem ter o direito de julgar as práticas de Assange e dar uma resposta às vítimas que tiveram seus nomes expostos, assim como à comunidade internacional, observando o respeito à liberdade de imprensa, se aplicável. Não há motivo para acreditar que, ao julgar Assange, as cortes norte-americanas desrespeitarão a Constituição, as instituições democráticas e o Estado de Direito.

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