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Natalie Unterstell

Clima extremo nas eleições dos EUA

Apoiado por petroleiras, Trump, se vencer, deve reverter transição energética

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Natalie Unterstell

Presidente do Instituto Talanoa; mestre em administração pública (Universidade Harvard)

Os Estados Unidos se preparam para as eleições presidenciais e haverá uma dança das cadeiras na Casa Branca nos próximos dias: John Kerry deixará seu posto de enviado especial para o clima e se dedicará à campanha de Joe Biden, passando o bastão para John Podesta, que vai cuidar de clima tanto no plano doméstico quanto externo.

Tive a oportunidade de me reunir com Podesta no início de fevereiro na Casa Branca, e a urgência permeou nossa conversa. Ele começou destacando que, naquele dia, cientistas haviam proposto uma nova categoria para furacões, evidenciando como a crise climática extrapolou o que consideramos "extremo". Saí de lá refletindo sobre a necessidade de uma nova escala também para lidar com a política climática.

John Podesta, assessor sênior da Casa Branca, em evento sobre energia no Texas em março de 2023 - Mark Felix - 6.mar.2023/AFP - AFP

O clima da eleição é de extremos. Biden se tornou o presidente americano mais progressista nesta agenda. Desde o primeiro dia de seu governo, usou a caneta e a lábia para avançar o compromisso democrata com a transição energética. O mais importante legado é o "Inflation Reduction Act" (IRA), com seus US$ 360 bilhões (R$ 1,8 trilhão) em investimentos governamentais e mais de US$ 1 trilhão (R$ 5 trilhões) de capital privado. Também abriu frestas para discutir (e impedir) projetos de infraestrutura intensivos em carbono, como o Keystone XL, oleoduto do Canadá ao Texas e, recentemente, os terminais de exportação de gás em Louisiana.

O país, porém, ainda não se distanciou de fato dos combustíveis fósseis. Quase 90% das emissões de gases do efeito estufa (GEE) nos Estados Unidos ainda provêm da queima dessas fontes. Os americanos continuam sendo os maiores produtores e exportadores de petróleo e gás do mundo. E Biden aprovou novas explorações, como a polêmica Willow, no Alasca —envolta em debates semelhantes ao que temos sobre a Foz do Amazonas.

Mas tão marcada é a diferença em relação a outros presidentes e aos republicanos que, nesta eleição, a participação de doações da indústria de petróleo na campanha democrata é irrisória.

Enquanto isso, Donald Trump, líder nas pesquisas republicanas, arrecadou milhões da indústria de petróleo e gás, superando sua rival Nikki Haley em mais de dez vezes, de acordo com a Bloomberg.

A disparidade no financiamento reflete as apostas em jogo: Trump prometeu desmantelar a Agência de Proteção Ambiental (EPA) e reverter as políticas climáticas, enquanto os democratas demonstram comprometimento em expandir o IRA para criar empregos bem remunerados na indústria e repatriar cadeias de suprimentos para os EUA.

Por outro lado, apesar desses grandes investimentos em energias limpas, a maioria dos americanos nem sequer ouviu falar dos possíveis benefícios. Uma pesquisa realizada em agosto constatou que dois terços da população pouco ou nada ouviram sobre o IRA. Com as devidas ressalvas, seria como o Bolsa Família não ter contribuído em nada para as eleições de petistas. Por isso, Kerry e outros entraram em campo para mudar essa realidade.

Uma eventual volta de Trump —e de uma maioria republicana ao Senado— reverteria o clima de transição. As emissões poderiam ainda cair 24% em relação ao nível de 2005 sob um novo governo republicano, devido à inércia de políticas anteriores, contra 50% sob Biden, de acordo com o Energy Innovation.

Mas o efeito seria o de murchar o potencial do IRA como bem público global, já que se projeta que o programa possa reduzir em 25% os custos das energias renováveis modernas e em 50% para as tecnologias mais avançadas ao final de dez anos.

E também de jogar a bola para os demais países resolverem a crise climática, outra vez. Um problema imediato seria o financiamento climático, grande tema da COP29, em Baku, no Azerbaijão, e prioridade para a presidência brasileira no G20. Ninguém pode pagar a conta climática pelos americanos. Portanto, é fundamental saber se e como os Estados Unidos cumprirão os mais de US$ 11 bilhões prometidos para ações relacionadas à mudança do clima neste ano. Este é um compromisso que nos interessa diretamente, diante da promessa de US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia.

O planeta está mais quente e o clima mais instável. As eleições no maior poluidor histórico têm a chance de dar escala política para a solução —ou para o problema.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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