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Paulo Sérgio Pinheiro

Gaza: o que virá depois de um cessar-fogo provisório?

Nenhum crime pode ser interrompido com data marcada para continuar

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Paulo Sérgio Pinheiro

Professor titular de ciência política da USP, foi coordenador da Comissão Nacional da Verdade (2013) e ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (2001-02, governo FHC)

Passados cinco meses de bombardeios maciços e operações militares terrestres de Israel, resultando em mais de 30 mil mortes de palestinos, entre as quais 10 mil crianças, a Faixa de Gaza tornou-se um campo de ruínas. Além da destruição de 6 hospitais e 12 universidades, tudo o que dizia respeito à vida social foi arrasado: mesquitas, tribunais, escolas, arquivo histórico, museus, centros culturais. A infraestrutura civil de água, esgoto e eletricidade também foi aniquilada.

As ordens militares de evacuação da população resultaram em deslocamento forçado do norte para o centro, logo alvo de bombardeios, para o sul e, dali, para Rafah —agora também sob ataque.

Palestinos choram ao identificar cadáveres de parentes mortos no bombardeio de Israel em Rafah, no sul da Faixa de Gaza - Mahmud Hams - 8.fev.2024/AFP - AFP

Todo esse quadro é agravado por impedimentos, por parte dos israelenses, para a distribuição de ajuda humanitária —apesar de uma das medidas provisórias impostas pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) ter obrigado Israel a facilitar o acesso do apoio internacional à região.

O volume de ajuda humanitária entrou em colapso em razão dos ataques de Israel a policiais —suspeitos de serem militantes do Hamas— que vigiam os comboios. Nas últimas semanas, 62 caminhões entraram em Gaza —bem abaixo dos 200 por dia que Israel se comprometera a liberar, ainda que se estime que para atender às necessidade básicas da população seriam necessários 500 veículos.

Há piquetes de civis israelenses, compostos inclusive por mulheres e adolescentes, muitos deles com machadinhas e cortadores de caixas, que atacam os comboios a pretexto "de impedir que a ajuda vá para o Hamas". O ministro da Segurança Nacional, Ben-Gvir, indicou que a polícia não iria reprimir protestos bloqueando o acesso dos caminhões.


Apesar das tentativas de dissuasão por parte dos aliados ocidentais, o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, promete que Israel atacará Rafah depois de evacuar 1 milhão e meio de refugiados. Mas qualquer ordem de evacuação nas presentes condições na região —sem abrigo, comida, água e atendimento médico— provocaria sofrimentos cruéis e seria uma flagrante violação do direito internacional humanitário e dos direitos humanos.

Os aliados ocidentais de Israel, diante desse quadro humanitário horrífico, reafirmam mais uma vez o direito de defesa do país de atacar o Hamas, ainda que essa defesa tenha se constituído na retaliação contra a população civil em Gaza. Imersos numa enorme contradição, esses países começaram a cobrar de Israel a proteção aos civis palestinos, a entrada da ajuda humanitária e, ainda, a proposta de um cessar-fogo de seis semanas. Dessa forma, iniciaram o lançamento de ajuda fundamental básica por aviões, como também anunciaram uma rota marítima com a construção de um píer flutuante, permitindo assegurar o fornecimento regular. Calcula-se, porém, que esse porto deverá levar dois meses para ser construído.


Depois de serem vetadas no Conselho de Segurança da ONU todas as resoluções impondo um cessar-fogo (inclusive as do Brasil), os aliados de Israel negociam com os países árabes, que têm acesso ao Hamas, um cessar-fogo de seis semanas —sem muito sucesso até este começo do Ramadã.

A pergunta obrigatória é: o que vai acontecer caso se realize esse cessar-fogo provisório de seis semanas? Israel vai bombardear Raffah? Continuará a desrespeitar as medidas provisórias ditadas pela CIJ, não protegendo os palestinos de Gaza de atos de genocídio, como o deslocamento forçado da população, a privação do acesso à comida e água e a obstrução de ajuda humanitária, incluindo combustíveis, abrigo, roupas e higiene? E quanto à destruição da vida dos palestinos em Gaza?


Não há nada mais macabro e cruel que uma pausa de atos de genocídio com prazo marcado de antemão para sua continuidade. Todos os Estados-membros da ONU que respeitam o direito internacional, incluindo o Brasil, devem tomar medidas para que esse cessar-fogo seja permanente. Nenhum crime pode ser interrompido com data marcada para sua continuidade.

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