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Nabil Bonduki

São Paulo está sem zoneamento

Tamanha incoerência provoca insegurança jurídica entre empreendedores

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Nabil Bonduki

Professor titular de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e relator do Plano Diretor de 2002 e 2014; ex-secretário de Cultura de São Paulo (2015-2016, gestão Haddad)

A cidade de São Paulo, que, no passado, foi referência em gestão urbana, está sem zoneamento. Como alertei, inclusive nesta Folha ("Lei de Zoneamento não é vale-tudo", 15/8/23), a revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, da maneira açodada como foi conduzida pela gestão Ricardo Nunes (MDB) e pela Câmara Municipal, desestruturou o planejamento da metrópole e gerou insegurança jurídica para os empreendedores.

A combinação de sem-vergonhice política com incompetência técnica e prazos irreais, que vigora no Legislativo, gerou a situação. A lei 18.081/2024 que reviu o zoneamento contém tantos erros, contradições e incoerências que os técnicos da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) não sabem, com segurança, as normas de uso e ocupação do solo nem a zona que vale em cada quarteirão. Por consequência, a aprovação dos projetos está lenta e a regulamentação da lei atrasada, pois foi mal redigida e é imprecisa. Os mapas estão errados e em contradição com o texto da lei.

A Barra Funda (zona oeste) é um dos bairros da capital paulista que apresenta intensa verticalização - Eduardo Knapp - 20.mar.2024/Folhapress - Eduardo Knapp/Folhapress

Nunca se viu algo parecido em São Paulo, que concentra 40% do mercado imobiliário do país —e que apoiou o processo esdrúxulo que ocorreu na Câmara, com expectativa de obter vantagens, mas que agora sofre com essa situação.

Não entro no mérito das alterações aprovadas, que contestei no artigo "São Paulo na contramão do futuro" (20/12/23). Várias foram vetadas por Nunes e algumas reabilitadas pela Câmara, com a derrubada de vetos. O imbróglio gerou quatro meses de incertezas. Concentro-me nos equívocos que impedem a aplicação da lei.

Existe conflito entre o texto e o mapa elaborado pelo Legislativo, sem critérios técnicos, para atender interesses. O artigo 2º, inciso II b, estabelece que "não devem ser demarcadas como Zonas de Estruturação Urbana (ZEUs) as quadras (...) localizadas no compartimento geotécnico terra mole e solo compressível da planície aluvial e nas cabeceiras de drenagem, conforme definidas pela Carta Geotécnica".

A Carta Geotécnica é o instrumento técnico, elaborado pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), que examina as condições do solo e subsolo tendo em vista os riscos geotécnicos, como enchentes, deslizamentos, recalques e outros efeitos agravados com a emergência climática. Assunto importantíssimo que a Câmara desconsiderou ao elaborar o mapa do zoneamento incluindo nas ZEUs áreas que a Carta Geotécnica considera frágeis.

O mapa está em conflito com o texto! O Executivo tentou resolver a contradição emitindo o (ilegal) decreto 63.423/2024, dizendo que basta um parecer para a Carta Geotécnica (e a lei) ser desconsiderada.
Mas existem outros equívocos. Muitos quarteirões estão sem zona definida, em branco. Outros receberam zoneamento equivocado, como zona de proteção ambiental no Brás, ou Zona Especial de Interesse Social no meio de uma Zona Exclusivamente Residencial.

Frente a problemas insolúveis, é inevitável mexer na lei. A Câmara pretende fazer isso a toque de caixa, em dez dias. É inadmissível, pois trata-se de uma nova mudança do zoneamento. Requer informação, transparência e debates, com tempo.

O Ministério Público e o Judiciário precisam agir. A lei 18.081/2024 deve ser anulada, voltando a vigorar a normativa anterior, até que um novo projeto de lei de revisão do zoneamento seja apresentado e debatido no Executivo e possa tramitar, com transparência e participação, no Legislativo. Chega de improviso, amadorismo e malandragem.

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