Leitores debatem instabilidade na América Latina com correspondente da Folha

Conversa com Sylvia Colombo, na quarta-feira (18), está entre iniciativas para promover maior interação do jornal com público

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Americana (SP)

As mais recentes instabilidades políticas na América Latina foram tema de um bate-papo virtual entre leitores da Folha e a correspondente Sylvia Colombo, na última quarta-feira (18).

A conversa fez parte de uma série de iniciativas que vêm sendo adotadas pela recém-criada editoria de Interação para aproximar a Folha de seu público. O jornal fez um anúncio no Twitter e selecionou sete leitores para o papo. As vagas eram limitadas.

Correspondente em Buenos Aires desde 2016 (e, anteriormente, de 2011 a 2013), Sylvia Colombo acaba de lançar o livro "O ano da cólera" (ed. Rocco), que traça um panorama do que aconteceu em cinco países da América Latina –Chile, Bolívia, Venezuela, Argentina e Uruguai– nos anos de 2019 e 2020, quando as tensões provocadas pela pandemia de Covid-19 se somaram àquelas subjacentes em cada país.

A jornalista Sylvia Colombo conversa com leitores - Marlene Bergamo/Folhapress

"[O livro] É basicamente uma passada de vista no que vem acontecendo na América Latina a partir de 2019, que foi um ano muito turbulento, com muitos acontecimentos, tensões, eleições, tomadas de poder ilegítimas, que alguns chamam de golpe e outros, não", afirmou Sylvia em sua introdução.

"Resolvi tentar sintetizar isso num livro que fosse acessível para o grande público, e o resultado é 'O ano da cólera'. Que é uma saga em aberto. Estão acontecendo agora algumas consequências ou continuações daquelas explosões, daquela interrogação que foi aberta em 2019, do questionamento das populações e das sociedades em relação ao Estado."

"Cada país é um país. Cada contexto gera uma consequência, ainda que essss países tenham raízes e problemas em comum", acrescentou ela.

Paloma Szerman, leitora da Argentina, quis saber justamente se a onda de ebulição em 2019 e a derrota de Donald Trump nas eleições dos EUA no ano passado não seriam um sinal de um "giro moderado à esquerda" acontecendo na região e como ele poderia terminar de se cristalizar.

"Existe essa tese de que há uma onda de esquerda voltando e ela está fundamentada na ideia de que o que houve em 2019 foi uma afronta, um desafio ao liberalismo na América Latina. Esse questionamento está na base de todos os protestos que houve. O pano de fundo é esse, e no Peru a gente já viu essa transformação", afirmou Sylvia, em referência à eleição de Pedro Castillo como presidente.

"Porém, a gente sabe que a realidade sempre traz novidades e que as características particulares dos países influenciam muito. Não dá para cravar isso [a onda de esquerda] ainda, vai depender de muitos fatores."

Para a jornalista, também há indícios de um movimento em direção contrária. "Cuba é um exemplo disso. Pela primeira vez, o regime socialista cubano está sendo questionado nas ruas. Aí, se Cuba desiste do socialismo, como fica a esquerda na América Latina?", questionou. "Não sei a resposta, vamos assistir a isso juntos."

A correspondente Sylvia Colombo conversa com leitores - Marlene Bergamo - 18.ago.21/Folhapress

O leitor Ronan Wielewski Botelho questionou a correspondente sobre evidências de uma articulação entre os movimentos de esquerda ou países para promover mudanças políticas na região.

"Que há intercambio entre as os partidos de esquerda, grupos, organizaçoes sociais, há. Existe diálogo entre as forcas progressistas. Mas o que leva às transformações são coisas muito particulares de cada país", analisou Sylvia, citando como exemplo o aumento de tarifas do metrô no Chile.

"Ainda acho que cada movimento teve seu momento de explosão, na sua nascente, que foi específico daquele país e foi muito nacional. Se cartéis mexicanos, dissidentes das Farc ou venezuelanos estiveram ali para desestabilizar governos liberais, eu não arriscaria dizer isso."

O leitor chileno Pablo Bello, residente em São Paulo, afirmou ver como denominador comum entre os países da região uma desconfiança em relação às instituições, embora com razões diferentes. Ele citou seu país e a Colômbia como exemplo de esgotamento do modelo liberal, mas viu o Brasil e o México como casos em que a perda de confiança tem mais a ver com a corrupção, dando origem a movimentos populistas com traços ideológicos muito diferentes.

"O que se pode esperar em termos de reconstrução do espaço social? ", perguntou Bello.

Sylvia disse concordar com a avaliação teórica, mas ponderou que a realidade mostra que há aspectos que permanecem e brechas por onde o passado pode tomar o presente. Ela citou as fortes resistências a projetos esquerdistas na Colômbia e mesmo no Peru.

"A pandemia deixou mais à mostra a ideia de pedir ao Estado que participe mais, que tenha maior ingerência e contribua mais para os direitos civis de todos", afirmou. "O neoliberalismo esteve e está sendo confrontado. Mas acho um pouco ingênuo pensar que virou a chave, que estamos em outro mundo e que as as coisas não voltam para atrás."

"Talvez mais do que uma onda antiliberal, seja uma onda anti 'status-quo'", provocou o leitor Sidney Dupeyrat de Santana. Para ele, o processo constitucional iniciado no Chile e as últimas eleições no Uruguai são exemplos disso.

"O desafio ao neoliberalismo foi o que moveu as pessoas a pedirem a Assembleia Constituinte no Chile em 2019. Agora, a gente já está em 2021. O país tem problemas econômicos sérios devido à pandemia, e muita gente não votou, o que lá na frente pode levar a um questionamento da Carta", comentou Sylvia.

Já Diogo Yamada Assis pediu dicas para estudantes de jornalismo que, como ele, querem se tornar correspondentes internacionais no futuro. Sylvia Colombo sugeriu que, além da faculdade de jornalismo, os estudantes invistam em uma segunda formação –ela é historiadora e fez um mestrado sobre a Argentina do século 19.

"As faculdades de jornalismo formam profissionais genéricos, e a especialidade no jornalismo é marca de cada um", afirmou.

Ela sugeriu ainda que o estudante passe uma temporada no exterior, seja em um sabático, em um curso de línguas ou trabalhando.

"'Estudantes vão às ruas protestar' é uma notícia que todo mundo pode ler. Agora, você ir ao metrô, ver como eles pulam a catraca, quanto custa o bilhete, o bilhete equivale a quantas Coca-colas... Quando você entra nesses detalhes é que você entende a notícia por completo. É até meio mágico."

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