Descrição de chapéu Legislativo Paulista

Assembleia trava projeto para enxugar estatais e impõe obstáculo a Doria

Oposição e até deputados de perfil liberal resistem e pedem estudos sobre custos e demissões

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São Paulo

Primeiro texto enviado pelo governo João Doria (PSDB) à Assembleia Legislativa, o projeto para fundir ou extinguir seis estatais conseguiu unir liberais e estatistas na oposição à proposta. O percalço para o Palácio dos Bandeirantes já na largada tem sido visto como prólogo de uma relação complicada.

Pela primeira vez desde que o PSDB assumiu o governo estadual, em 1995, o partido não detém a maior bancada da Casa —posição hoje ocupada pelo PSL, com 15 parlamentares. O cenário adverso é reforçado pela fragmentação partidária recorde: 24 legendas têm representação na Assembleia.

Assinado por Doria em 1º de janeiro, no seu primeiro dia como governador, o projeto foi registrado pela Assembleia um mês depois e só começou a tramitar para valer depois de 15 de março, quando os deputados da nova legislatura tomaram posse. O andamento, contudo, está travado.

​​​​​​Promessa de campanha do tucano, a redução da máquina estatal começaria por seis empresas de variados setores que somam 3.000 funcionários, de acordo com dados dos respectivos sindicatos. A lista inclui a Dersa (de desenvolvimento rodoviário), a Codasp (voltada ao agronegócio) e a Prodesp (de gestão de dados) —veja mais detalhes abaixo.

O governo propagandeia uma economia de até R$ 160 milhões por ano caso o projeto seja concretizado.

Dentro e fora da Assembleia, correligionários do governador minimizam a demora na votação. Presidente da Casa, o tucano Cauê Macris, aliado de Doria, é um dos que mais se movimentam para aprovar o pacote, que tramita em regime de urgência.

O projeto só goza hoje do apoio inconteste do próprio PSDB, que tem oito deputados e é a terceira maior bancada, empatada numericamente com o PSB do ex-governador Márcio França, que foi adversário de Doria no segundo turno da eleição de 2018. O PSB tem ressalvas à proposta.

Mesmo partidos simpáticos à pauta do enxugamento, como PSL e Novo, estão reticentes sobre a aprovação da forma como quer o governo, porque afirmam que o projeto é genérico e carece de detalhes. O texto assinado no primeiro dia do ano tem três páginas.

​Nos últimos dias, o clima de embate se acentuou, com situações inusitadas, como o dia em que PSL (que se diz independente, nem situação nem oposição), PT e PSOL (ambos anti-Doria) uniram forças para esvaziar uma sessão no plenário, o que derrubou o quórum e obstruiu a apreciação do projeto.

Pelas regras do legislativo, para que esse projeto seja votado, é preciso que ele tenha sido discutido por no mínimo seis horas. Mesmo com a resistência, a proposta já acumula três horas e meia de debates.

Parte dessa soma de tempo é fruto de acordos entre apoiadores e detratores do projeto. A oposição cedeu as horas em troca de tirar o texto da ordem do dia ou de derrubar a sessão.

Para evitar que o saldo de horas cresça na velocidade pretendida pelo PSDB, deputados contrários à pauta já lançaram mão de outras manobras regimentais para obstruir a proposta.

Bancadas críticas ao projeto têm insistido ao governo para que promova um "fatiamento" da proposta, repartindo a iniciativa em dois ou três textos diferentes. Justificam que o formato levaria a uma análise mais detida, diferenciando claramente as estatais que Doria quer fundir ou extinguir.

O governo e seus operadores na Assembleia, porém, rejeitam a hipótese de desmembramento. Reservadamente, admitem que modificar o projeto poderia dar demonstração de fragilidade diante da nova Assembleia, reforçando a impressão de que a hegemonia tucana na Casa ficou no passado. 

Parlamentares mais aguerridos têm ido à tribuna e às redes sociais criticar a postura do governo. "Aprovar do jeito que está é o equivalente a dar um talão de cheques em branco na mão do governador", diz à Folha o deputado Gil Diniz, líder da bancada do PSL. "Haveria mais celeridade [na tramitação] se fossem projetos separados."

Na oposição, os percalços impostos a Doria e a demora na votação são considerados uma derrota política para Doria, mesmo que pequena. "Ainda estamos tentando entender o que está acontecendo, mas as coisas estão diferentes para o Executivo", diz Mônica da Bancada Ativista (PSOL), que é voto certo contra a extinção das estatais. 

"A gente não sabe exatamente o que está pautando os posicionamentos de outras bancadas que levaram à obstrução do projeto até aqui. Fato é que o Bandeirantes não está tendo a facilidade que tinha antes."

Do lado do governo, o discurso é o de otimismo com a aprovação da pauta, apesar das dificuldades. O vice-governador Rodrigo Garcia (DEM-SP), que também é secretário de Governo e responde pela articulação com a Assembleia, afirma que as tensões são normais.

"O governo vê com naturalidade as dúvidas dos deputados. O Parlamento tem seu próprio tempo", diz Garcia, que foi deputado estadual e federal e presidiu a Assembleia de 2005 a 2007.

O vice-governador lembra que a legislatura tem pouco mais de um mês de trabalho e fala que é prematuro enxergar o que está acontecendo como sinal de dificuldade para Doria no Legislativo.

Segundo ele, o governo prestou esclarecimentos aos parlamentares em três vezes, em audiências públicas com os presidentes das estatais afetadas pelo projeto, e "poderá voltar quantas vezes forem necessárias para elucidar o projeto ponto a ponto".

O deputado Carlão Pignatari (PSDB), líder de governo na Casa, está construindo uma emenda ao projeto para detalhá-lo, como querem os parlamentares, e prevê a aprovação até o meio do ano. "Não temos pressa, queremos fazer uma discussão muito boa, para deixar muito claro", diz.

"Vamos ter base para aprovar com muita tranquilidade. Já aprovamos dois projetos com mais de 70 votos", completa Pignatari. As propostas aprovadas, porém, não têm a importância do projeto das estatais e não foram propostas por Doria. 

Segundo o líder de governo, será elaborado um plano de demissão voluntária que pretende atrair até metade dos funcionários das empresas que seriam fechadas. Pignatari também admite separar a extinção da Dersa para outro momento.

Os deputados que estão contra o projeto no formato atual se dizem insatisfeitos com as informações fornecidas até agora pelo Executivo e cobram que os planos e cálculos envolvendo cada empresa sejam registrados oficialmente. Querem também ver balancetes e análises de custo.

Em sua defesa, o governo argumenta que o detalhamento no nível exigido pelos parlamentares não é praxe em projetos de lei do tipo.​

Associações e sindicatos de funcionários das estatais ameaçadas têm feito manifestações na Assembleia e enviado representantes a gabinetes de parlamentares para pressionar pela derrubada e tentar manter os empregos.

O que pretende o primeiro projeto de Doria na Assembleia

> Incluir seis empresas estatais no Programa Estadual de Desestatização
> Obter autorização para vender, fundir, cindir, incorporar ou extinguir as seis estatais

- Empresas a serem extintas

Desenvolvimento Rodo­viário S.A. (Dersa)  Responsável por construir e administrar rodovias. Alvo de investigação da Lava Jato

Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS)  Presta serviços de engenharia, como fiscalizar obras públicas de construção civil

Empresa Paulista de Planeja­mento Metropolitano S.A. (Emplasa)  Faz estudos e pesquisas para planejamento da região metropolitana. Elabora mapas e fotos aéreas

Companhia de Desenvolvimento Agrícola (Codasp)  Trabalha com irrigação, obras e equipamentos para fomentar o agronegócio

- Empresas a serem fundidas

Imprensa Oficial do Estado S.A. (Imesp)  Responsável pela publicação do Diário Oficial do Estado

Companhia de Processamento de Dados (Prodesp)  Responsável por processar e armazenar dados, faz a gestão do Poupatempo

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