Descrição de chapéu Eleições 2020

Parceria de Covas com Doria tem recauchutagem em bandeiras herdadas e tensões políticas

Prefeito deixou para trás slogans do governador e acumulou desgaste com estado na pandemia

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São Paulo

Há dois anos e meio, Bruno Covas (PSDB) assumiu a Prefeitura de São Paulo com um discurso de posse contrário à antipolítica pregada na época pelo também tucano João Doria, que então largava o cargo para concorrer ao governo de São Paulo.

Era um aviso de mudança —saía o estilo do outsider midiático para entrar o político discreto e hábil nos bastidores. A parceria de conveniência da sua gestão com a do atual governador se manteve desde então, mas passou por estremecimentos, que se acentuaram durante a pandemia do coronavírus.

Embora a conexão entre prefeito e governador em época de eleição, Covas mudou o jeito de governar de seu antecessor, alterando bandeiras de Doria e deixando slogans pelo caminho.

Ele mudou o plano de metas de Doria, subindo o número de objetivos de 53 para 71, e mexendo em 20 delas. A revisão do plano era permitida, mas não havia sido aplicada nas duas gestões anteriores.

Em balanço feito pelo governo neste ano, 27 (38%) das 71 metas foram cumpridas, mas a gestão diz que serão finalizadas mais 39 até o fim do ano, quando termina o prazo.

Entre as políticas de Doria colocadas de lado estão o programa Trabalho Novo, voltado a dar emprego a moradores de rua, e o Rapidão, projeto de corredor de ônibus.

Prometido em 2017, o projeto de mobilidade, um BRT (espécie de corredor de ônibus mais eficaz e veloz) que teria o primeiro trecho entre os terminais João Dias e Capelinha, na zona sul, não foi priorizado e não teve obra iniciada.

Já o programa relacionado à área de emprego, feito com base na iniciativa privada, foi perdendo força até ser totalmente encerrado em 2019.

O tucano também reformulou o programa Redenção, voltado a usuários de drogas da cracolândia. Sob Doria, a ideia era internação na marra, total abstinência e encerramento dos projetos da gestão Fernando Haddad (PT).

Covas prioriza acolhidas terapêuticas e resgatou alguns aspectos da filosofia adotada pela gestão do PT, como a inclusão de uma bolsa a essa população, embora sob formato diferente. Atualmente, 344 beneficiários recebem R$ 731,46 para 20 horas semanais de capacitação e trabalho.

O projeto de zeladoria Cidade Linda, primeira marca de Doria, que incluía uma performance do então prefeito vestido de gari, chegou a ser ampliado para um formato que envolve outros serviços além da limpeza. Mas sem prefeito-gari, com nome mudado para Mutirão nos Bairros, até porque o uso do nome inicial para se promover rendeu a Doria enroscos judiciais.

Outros programas criados por Doria foram mantidos, mas vivem em crise. É o caso dos CTA (Centros Temporários de Acolhimento), tipo de moradia vendido inicialmente como um albergue VIP, incluindo até canis. Um total de 20 unidades foram criadas.

O serviço, no entanto, é bastante criticado pelos usuários. Uma das unidades chegou até a ter a cozinha interditada pela própria prefeitura.

Covas manteve a bandeira das privatizações, embora sem incluir nas metas 55 projetos elencados pelo tucano. Parte dos principais projetos anunciados no início da gestão, como Anhembi, Autódromo de Interlagos e Serviço Funerário, ainda não foram finalizadas —o primeiro já avançado e os outros dois travados no TCM (Tribunal de Contas do Município).

A prefeitura cita um total de 19 projetos de desestatização finalizados, incluindo aí duas parcerias público-privadas, três mercados e sete parques, além da venda imóveis. Entre os mais simbólicos estão a concessão do Pacaembu e do serviço de Zona Azul.

A herança do ex-prefeito que mais foi encampada pelo atual é o projeto Asfalto Novo, de recapeamento da cidade. Covas dobrou a verba para zeladoria e o recapeamento de ruas é uma ação de alta visibilidade, cuja quantidade de kms aumentou 50% no ano eleitoral.

Entre as principais apostas de Covas para reelegê-lo também estão vitrines que a gestão petista não entregou, como a construção de 12 CEUs e a entrega dos hospitais de Parelheiros (zona sul) e Brasilândia (norte).

Ao trocar o secretário de Cultura de Doria, André Sturm, por Alê Youssef, Covas levou à esquerda uma gestão eleita no início de uma onda de direita no país. Por exemplo, enquanto Doria cogitou fazer uma Virada Cultural em lugares fechados, a gestão Covas embarcou em um discurso de ocupação do espaço público e fez um festival contra a censura.

Professor de ciência política da USP, José Álvaro Moisés diz que Covas faz sinalizações à esquerda que Doria não faz. "Ele de alguma maneira tem movimentos que o diferenciam do Doria, mas sem entrar num conflito muito grande. A campanha eleitoral vai ser uma oportunidade de experiência que vai demonstrar quanto as diferenças são significativas", diz o cientista político.

Segundo o professor, na pandemia também ficou evidente uma postura de maior cautela por parte de Covas do que de Doria.

Inicialmente, Covas era adepto de tomar medidas mais duras, enquanto o governo estadual já ensaiava a possibilidade de flexibilizar a quarentena. O então secretário de Transportes Metropolitanos de Doria, Alexandre Baldy, que se afastou do cargo após ser alvo de operação policial, acusou a prefeitura de não avisar o governo sobre um megarrodízio para tentar aumentar o isolamento social na cidade em maio —posteriormente, a ideia do rodízio foi abortada.

Depois, conforme a pandemia avançou, a gestão Covas via índices da pandemia melhorarem e sua equipe começou a cobrar reabertura de alguns setores. A possibilidade de a cidade se manter com as mesmas restrições de locais onde a epidemia estava mais acelerada irritou técnicos do município, que chegaram a deixar de participar das reuniões com o governo estadual.

Atualmente, enquanto Doria pretende abrir escolas em outubro, Covas adiou a decisão do início das aulas para novembro.

Apesar das crises, pessoas ouvidas que acompanham relação de Doria e Covas dizem que ambos são pragmáticos, uma vez que o projeto político dos dois está vinculado. Para Doria, é fundamental que Covas vença as eleições para a prefeitura para seu projeto em 2022. E para Covas é impossível fugir da influência do maior cacique do PSDB.

Além disso, aliados dizem que o clima é mais pesado entre auxiliares dos dois do que entre os próprios.
Antes da pandemia, a tensão subiu entre os dois quando Covas contratou como titular da Secretaria da Educação João Cury --que apoiou Márcio França (PSB) contra Doria para o governo. Doria pressionou pela demissão, mas ela só ocorreu após Cury ser condenado em segunda instância.

Quando Covas ainda era vice de Doria e secretário de subprefeituras, houve desgastes entre os dois. Houve a demissão de aliado de Covas e depois a sua própria saída, devido à insatisfação do prefeito com seu trabalho.

Cogitou-se que Covas poderia disputar eleição em 2018. Ele negou o mal estar e disse que quem apostasse na divisão entre ele e Doria sairia perdendo.

*

COMO FICARAM AS BANDEIRAS DA GESTÃO

Plano de metas
Bruno Covas revisou o plano de metas proposto por João Doria, uma medida permitida pela lei. Na ocasião, mexeu no escopo de 20 itens, e aumentou as metas de 53 para 71. Segundo a prefeitura, 27 (38%) delas foram cumpridas. Outras 39 serão finalizadas até o fim do ano, promete o governo.

Redenção
O programa criado por João Doria para a cracolândia era mais linha dura e apostava na internação forçada, o que foi descartado já na época. Com Covas, o programa ganhou nova cara. São três fases, sem descartar a redução de danos, dependendo do paciente. Além disso, assim como o programa da gestão do PT, o de Covas traz uma bolsa-auxílio, embora com formato diferente. Hoje, 344 pessoas recebem R$ 731,46 para 20 horas semanais de capacitação e trabalho.

Trabalho Novo
O programa para dar emprego à população de rua foi finalizado em 2019 sem cumprir a meta de 20 mil empregos. Segundo a prefeitura, foram firmados 2,6 mil contratos. A prefeitura afirma que para dar sequência ao projeto publicou um edital, com uma formatação que capacitaria 360 pessoas por mês. Três propostas estão em análise.

Corujão da Saúde
O programa, que realizava exames em hospitais particulares, foi criado para reduzir demanda de 485 mil exames em 2017 e, segundo a prefeitura, era uma solução pontual. Neste ano, foi criado o Corujão do Câncer, para diagnóstico da doença em unidades de saúde.

Asfalto Novo
Programa de recapeamento foi mantido e é uma das apostas de Covas para bandeira eleitoral. Em 2019, foram feitos 134 km de vias. Neste ano de eleições, já foram mais de 200 km.

Privatizações
As privatizações continuaram como uma das prioridades do governo. No entanto, projetos simbólicos vendidos por Doria na época, como o do Anhembi e o do Autódromo de Interlagos, ainda não foram finalizados. Lista enviada pela prefeitura à reportagem conta com 19 itens desestatizados, incluindo o estádio do Pacaembu e o sistema de Zona Azul.

Rapidão
Projeto para a criação de um BRT, corredor de ônibus mais eficaz, foi prometido por Doria. No entanto, não saiu do papel ainda.

CTAs
Atualmente, existem 20 Centros Temporários de Acolhimento, equipamento vendido como um albergue VIP por Doria. Nova desses centros incluem canis instalados. No entanto, moradores de rua fazem muitas críticas aos espaços e um deles teve a cozinha interditada por más condições de higiene.

Cidade Linda
Principal vitrine de Doria no começo da gestão, o programa mudou de nome para Mutirão dos Bairros e incluiu serviços além da zeladoria. No entanto, foi suspenso após o início da pandemia por questão de segurança.

Mutirão Mario Covas
O programa de reformas de calçadas era realizado, segundo a prefeitura, para chamar a atenção para a necessidade de requalificar calçadas. A atividade em si continua sendo realizada e teve aumento neste ano. Em 2019, foram 354.148 m² de calçadas requalificadas, contra 472.921 m² neste ano.

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