Uma das características desta corrida eleitoral na capital paulista foi a substituição do PT pelo PSOL no posto de sigla dominante da esquerda na disputa.
Se isso irá se tornar uma constante no futuro é incerto, mas foi a polarização PSDB/PSOL deu o tom ao debate Folha/UOL com os quatro candidatos à frente na disputa para a Prefeitura de São Paulo.
O prefeito Bruno Covas (PSDB) tratou Guilherme Boulos (PSOL) como grande rival, dedicando mais atenção a ele do que a Celso Russomanno (Republicanos) e Márcio França (PSB), que hoje disputam uma vaga no segundo turno com o tucano.
O motivo principal? O temor do PSDB de Márcio França. O ex-governador paulista é visto no partido de Covas como um candidato mais perigoso num eventual segundo turno, por sua capacidade presumida de aglutinar eleitores contrários ao PSDB à esquerda e à direita.
Polarizaria menos do que com Boulos, o que evoca o antipetismo (agora "antipsolismo" ou algo assim) paulistano, ou Russomanno, o candidato do presidente Jair Bolsonaro, neste pleito. O PSDB, contudo, ainda alimenta esperança de resolver a fatura no primeiro turno.
Isso não tirou alguns méritos retóricos de Boulos. Ele mostrou mais uma vez ter herdado a verve usual dos candidatos à esquerda, temperado pela experiência auferida na campanha a presidente em 2018.
Só que neste primeiro turno ele não é um franco-atirador, o que o expôs mais. Covas repetidamente lembrou da inexperiência administrativa do nome do PSOL e buscou associá-lo "aos governos do PT", emulando o antipetismo eficaz para levá-lo ao poder em 2016, quando foi eleito vice de João Doria (PSDB).
O ex-governador, de quem Covas herdou a cadeira em 2018, foi trazido como um passivo para o prefeito, que que optou por omiti-lo de sua propaganda eleitoral.
Provocado por Boulos e pelo principal desafeto do governador no pleito, França (derrotado por Doria em 2018), Covas pagou pedágio após a insistência dos rivais e agradeceu comedidamente o apoio do ex-chefe, só para lembrar que o candidato agora era ele.
Outro problema trazido logo no começo do embate foi a série de suspeitas sobre o vice de Covas, Ricardo Nunes (MDB), investigado no caso da máfia das creches. O tucano repetiu sua defesa padrão do colega.
Russomanno, candidato do presidente Jair Bolsonaro que trouxe a polarização nacional para dentro de sua campanha, parecia atordoado até a metade do debate, traduzindo de certa forma sua acentuada queda nas pesquisas.
Como em 2012 e 2016, o deputado federal começou à frente na disputa e agora está em curva descendente. Sem apresentar provas técnicas, alegou problemas metodológicos no levantamento que o Datafolha fazia e obteve uma decisão provisória censurando a pesquisa.
Ele conseguiu encaixar dois golpes de eficácia duvidosa. Primeiro, acusou Boulos de usar empresas fantasmas em sua campanha, prática que configura crime. Depois, apostou na retórica e disse que desistiria da candidatura se Covas andasse com ele na periferia e apontasse córregos limpos.
Ao final, ainda apontou um suposto "lockdown" que estaria no forno na gestão Covas, que viu sua aprovação melhorar no quesito combate à pandemia, segundo o Datafolha. A essa altura, parece pouco para estancar sua sangria.
Já Márcio França manteve um perfil mais discreto, professoral, como que querendo colocar-se como opção mais experiente no páreo.
Cutucou Covas e Boulos ("Você foi prefeito de onde? Sabe fazer um empenho?"), mas também promoveu dobradinhas com o candidato do PSOL e com o do Republicanos contra o prefeito.
Parecendo à vontade, ele apontou algo que marqueteiros costumam dizer sobre o candidato do PSOL: a aparente soberba dele em tratar de temas, herança tradicional de uma esquerda que se acha moralmente superior.
Não que tenha havido grandes digressões filosóficas: o debate girou em torno da importância política de São Vicente, cidade que foi governada por França.
O formato do debate, com os candidatos com bancos de horas, favoreceu um diálogo mais fluido do que o usual em eventos do tipo. Foi pior para Covas, que teve de segurar respostas para não gastar todos seus minutos só na defesa.
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