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Eleições 2022

Vexame previsível nas prévias expõe PSDB e coloca pressão sobre Eduardo Leite

Vaivém sobre app gera resultante ruim para gaúcho e seu grande eleitor, Aécio Neves

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São Paulo

Pior melhor ideia dos últimos tempos na política, as prévias do PSDB fracassaram em sua primeira tentativa devido a uma crise anunciada que ameaça implodir o partido que até 2014 monopolizava com o PT a vida partidária nacional.

Eduardo Leite, Arthur Virgílio e João Doria no evento das prévias do PSDB, em Brasília
Eduardo Leite, Arthur Virgílio e João Doria no evento das prévias do PSDB, em Brasília - Divulgação/Eduardo Leite

Enquanto a fatura do desgaste será colocada de forma nominal na conta do presidente da sigla, Bruno Araújo (PE), o preço a pagar tem outro destinatário preferencial —ou, ainda, uma dupla: Eduardo Leite (RS) e Aécio Neves (MG).

O processo por óbvio representa um avanço institucional no arcabouço partidário brasileiro, rompendo o padrão da indicação vertical —o precedente petista de 2002 foi mais uma curiosidade do que uma disputa.

Ao mesmo tempo, claro, ele diz muito sobre a fratura da sigla, que saiu do triunfal 2016 nas urnas para um 2018 desolador, com os 4,76% de Geraldo Alckmin (SP) na eleição presidencial.

Favorito presumido pelo peso de sua cadeira, o governador João Doria (SP) se viu manietado diversas vezes, com a definição de regras que o contrariaram.

Para seus adversários, foi uma forma de contrabalançar um jogo pesado: há 40 dias enviados de Doria percorrem Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas Brasil afora para cabalar votos, amparados por um trabalho estruturado de marketing e análise política digno de eleição presidencial.

Como é usual, com a movimentação vieram as denúncias de compra de votos e pressões não republicanas, até aqui sem comprovação.

A situação ficou mais complexa quando surgiu a figura do polêmico app, que desde o mais recente aditivo de contrato já consumiu R$ 2 milhões de dinheiro público para um vexame que era antevisto na análise feita pela empresa de segurança cibernética Kryptus.

Relatório de 50 páginas dizia que era imprescindível ter um plano B para o dia das prévias e listava 12 falhas sérias do app, como a possibilidade de fraude no registro de eleitores. O fato de o programa ter sido feito numa universidade do Rio Grande do Sul de Leite não contribuiu para sua confiabilidade, ainda que auditado externamente.

Araújo sustentava que tudo iria dar certo, que correções foram feitas a partir de fragilidades apontadas. Neste domingo (21), a bomba explodiu com a instabilidade no sistema.

Contando os gastos totais das prévias, cerca de R$ 9 milhões, os cerca de 3.500 votos computados até a coisa travar talvez configurem o sufrágio mais caro da história do país: mais de R$ 2.500 por eleitor, acima dos R$ 41 esbanjados por Henrique Meirelles (então MDB, hoje PSD) quando brincou de ser presidenciável em 2018.

Ao vexame público, adiciona-se a responsabilidade política. Ao apoiar o aplicativo de forma incisiva, o governador Leite queria ver ampliada a base contra Doria. O fez estimulado por seu grande eleitor, o deputado Aécio.

Na semana passada, contudo, os dois coordenadores da campanha do gaúcho indicados pelo mineiro sugeriram que, se havia tanto problema como diziam os paulistas, que se adiassem as prévias. O episódio, como relatou a Folha, gerou a suspeita de um golpe em curso no time de Doria.

As prévias, e o aplicativo, acabaram mantidos. Mas o decorrer da semana não ajudou em nada o clima: dois coordenadores das prévias, o senador José Aníbal (SP) e o ex-deputado Marcus Pestana (MG), deixaram seus postos para declarar apoio a Leite.

Isso ajudou a contaminar o processo, alimentando os argumentos do time de Doria de parcialidade, o que ambos refutam. O estrago, contudo, estava feito —e a batata, pelando, nas mãos solitárias de Araújo.

Aécio sempre foi visto no PSDB e fora dele como alguém que quer tomar o controle do partido e transformá-lo numa sigla do centrão, por assim dizer, parlamentar e dada a fisiologismos. O mineiro nega, naturalmente.

Quando assumiu o papel de grande eleitor de Leite, não foram poucos que viram na jogada a ideia de fomentar um candidato mais aberto à ideia de ser vice de alguém (o que o gaúcho nega) ou de abrir mão da candidatura numa composição para 2022 (o que ele topa).

Mesmo admitindo a inocência de todos os envolvidos em suas intenções, a resultante ficou ruim para o conglomerado em torno do nome de Leite. Na visão benigna, ele desejava tirar gás de Doria; na outra, empurrar a decisão às calendas gregas.

No resto da dita terceira via, no Palácio do Planalto e na esquerda, só risadas a aumentar a piada sobre a energia consumida (para não falar no dinheiro) por prévias de um partido que amealhou menos de 5% dos votos na eleição presidencial passada.

É uma meia verdade: o PSDB ainda comanda uma máquina formidável, com grande capilaridade, apesar de ser só uma sigla média no Congresso. Vive de um passado de glórias, sim, mas carrega o software de como governar e tem quadros qualificados.

Isso gera o paradoxo de que todos que fazem piadas sabem que quem ganhar as prévias será ator inescapável na costura para tentar tirar Jair Bolsonaro (sem partido) do segundo turno que se prevê com Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ao mesmo tempo e também no registro paradoxal, a decadência muscular do tucanato torna o partido mais manobrável para quem vencer a disputa.

Se antes o partido rachado era garantia de derrota eleitoral, como prova a quase exceção do único pleito pós-FHC de união, o de 2014, agora talvez seja possível uma articulação mais eficaz com aliados a partir da divisão prévia do butim.

Para Doria ou Leite, com Arthur Virgílio ao lado do paulista, é bom que essa teoria seja comprovável, porque após este domingo, se certeza há, é de que o PSDB trincou de vez.

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