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Campanha de Lula tem crise com vaivém de narrativas e disputa na comunicação

Desgaste põe coordenador em xeque e gera questionamento sobre unidade em pautas como aborto e reforma trabalhista

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São Paulo

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta uma crise pública de sua pré-campanha com a disputa pelo comando da comunicação.

Alvo de críticas de dirigentes petistas, o coordenador de comunicação, o ex-ministro Franklin Martins, foi chamado para uma conversa com Lula ainda nesta quarta-feira (20), alimentando rumores de que seria destituído.

A crise no marketing desnudou uma queda de braço na coordenação da pré-campanha, que também tem sofrido críticas internamente pela falta de uma unidade na disseminação de ideias e pautas —e o vaivém nas declarações do próprio ex-presidente.

Dois exemplos mais recentes foram as declarações sobre o aborto e a reforma trabalhista.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - Carla Carniel/Reuters

No primeiro, o petista afirmou que o aborto deveria ser um "direito de todo mundo", fornecendo munição para seus adversários. No dia seguinte, o petista contornou as declarações, se posicionou pessoalmente contra o aborto e defendeu o tratamento para mulheres que realizarem o procedimento na rede pública de saúde.

Já no caso da reforma trabalhista as declarações se arrastam desde o começo do ano. Em janeiro, publicações nas redes sociais de Lula e Gleisi, a favor da "contrarreforma" em implementação na Espanha, causaram reação no setor empresarial.

Emissários de Lula se apressaram a explicar que não se tratava de uma revogação integral da reforma aprovada no governo de Michel Temer (MDB), mas sim a revisão de alguns itens.

Como a Folha mostrou, porém, o PT propôs e a federação partidária que formará endossou a proposta de revogação da reforma —embora o próprio Lula reconheça entraves para a iniciativa.

Em entrevista a uma rádio do Tocantins, na terça (19), o petista afirmou que quer reconstruir uma "relação de trabalho moderna". "Não é que a gente faça a revogação [da reforma], porque ninguém quer de volta o passado", ressaltou.

Em relação ao comando da comunicação, petistas reclamam da dificuldade de diálogo com o coordenador. Esse abismo, dizem, é visível nas redes sociais, onde as páginas do PT e seus parlamentares não reproduzem postagens de Lula por não serem previamente avisados sobre essas publicações.

Dirigentes petistas afirmam que não querem apenas financiar as despesas da pré-campanha —a cargo do fundo partidário até a oficialização da candidatura—, mas participar da tomada de decisões.

O maior foco de queixa está nas redes sociais. Em comparação ao bolsonarismo, petistas afirmam que o comando da pré-campanha do petista é analógico.

Lula, por sua vez, tem lamentado a interlocutores a dificuldade de se contrapor ao discurso bolsonarista, por exemplo, quando afirmam que a defesa do meio ambiente é incompatível com o desenvolvimento econômico ou quando minimizam o papel dos sindicatos na relação entre patrão e empregado.

O desfecho da crise deverá ser acompanhado de uma mudança na estrutura da pré-campanha, com a instalação de uma coordenação política, sob o comando do senador Jacques Wagner (PT-BA) e a participação dos deputados federais Rui Falcão (PT-SP) e José Guimarães (PT-CE).

Prevista para a semana passada, a instalação foi adiada para depois do dia 7 de maio, quando a pré-candidatura de Lula será formalizada em ato em São Paulo.

O embate entre o ex-ministro Franklin Martins, que coordena a comunicação, e o secretário de comunicação do partido, Jilmar Tatto, revela a disputa entre o núcleo íntimo de colaboradores do ex-presidente e integrantes do PT pelos rumos da campanha.

Hoje, Lula se cerca de um grupo restrito, entre eles o ex-ministro Luiz Dulci e o ex-presidente do Instituto Lula Paulo Okamotto.

Petistas ouvidos pela Folha afirmam que o ex-presidente tem expressado descontentamento com a condução na campanha, pedido ajustes no planejamento e afirmado que é preciso ter um comando único na comunicação.

A avaliação do partido é que é preciso mudar o curso da campanha não só na forma de comunicação. Mas também no conteúdo.

A própria presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), afirmou que serão necessários ajustes. "Nós estamos discutindo a estrutura de comunicação, tanto do partido quanto da campanha. Vamos tomar as medidas que acharmos necessárias tomar para ajustar. Mas isso não é um problema relevante", afirmou à imprensa nesta semana.

Como a coluna Mônica Bergamo informou, Lula pode trocar o marqueteiro de sua campanha, Augusto Fonseca, mas manter Martins. Membros do PT e do entorno do ex-presidente fazem críticas duras às peças publicitárias que já foram ao ar, e que levam a assinatura do marqueteiro.

A saída de Fonseca é tida como iminente entre petistas. A torcida entre líderes do PT é que, caso Fonseca seja afastado, Franklin Martins também peça para sair de suas funções, o que levaria ao fim do impasse. Lula tem dito a petistas que não tem outros nomes para a missão.

Líderes do partido também se queixam do tom das peças levadas ao ar. Defendem uma abordagem mais humanizada na campanha de TV e rádio.

Segundo membros do PT, no entanto, a saída do marqueteiro não resolveria os problemas da campanha. Nas palavras de um petista, seria como "tirar o bode da sala".

A avaliação é a de que, atualmente, a atuação nas redes está muito aquém do aparato bolsonarista. Petistas já fizeram chegar ao próprio Lula que a estratégia de marketing e das redes sociais deve obedecer a um único comando.

Um dos nomes cotados para assumir no lugar de Augusto Fonseca é Sidônio Palmeira, ligado ao PT da Bahia. Ele fez os programas vitoriosos do ex-governador da Bahia Jaques Wagner em 2006 e 2010, e do atual, Rui Costa, em 2014.

Para o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que irá atuar na campanha presidencial, é preciso que a comunicação reflita ainda a ideia de candidatura de frente ampla, tão defendida por Lula e aliados.

"A minha preocupação maior é com o perfil da campanha, que deve ser de comunicação ampla. Não pode ser uma campanha das mídias alternativas. Uma candidatura de frente ampla tem que ter postura de frente ampla", afirma.

Neste ano, o ex-presidente tem, até o momento, concentrado em entrevistas a rádios espalhadas pelo Brasil e a falas em eventos com movimentos sociais e setores específicos, a exemplo de ato com sindicalistas, neste mês, e com lideranças mulheres, em março.

Lula prepara um novo ciclo de viagens pelo Brasil. A última pesquisa Datafolha, divulgada em 24 de março, mostra Lula com 43% das intenções de voto, contra 26% de Bolsonaro.

"Sempre tive a consciência de que não seria uma eleição fácil, mesmo quando o Lula abria 15, 20 pontos de diferença [nas pesquisas]. O Bolsonaro de 2022 não é o mesmo de 2018. Ele trouxe para junto de si o suprassumo do profissionalismo da política, que é o centrão", diz Randolfe.

O ex-governador do Piauí Welington Dias minimizou a existência de uma crise na pré-campanha.

Segundo ele, as mudanças na estrutura ocorrerão na montagem da coordenação política da campanha que será encabeçada por Lula e seu potencial vice, Geraldo Alckmin (PSB), e com participação dos presidentes de partidos que compõem a aliança.

Sob esse comando, funcionarão coordenações temáticas. Só então será definido o coordenador de comunicação. "Houve uma etapa em que Franklin Martins atuou no assessoramento do partido. Agora, começará uma nova etapa."

Outro percalço enfrentado por Lula foi a ameaça do deputado Paulinho da Força, presidente nacional do Solidariedade, de saída da aliança após ser vaiado em ato com sindicalistas. O parlamentar se reuniu com o ex-presidente e Gleisi na manhã de terça (19) e a situação foi contornada.

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