Desde o dia em que reuniu dezenas de embaixadores estrangeiros para repetir mentiras sobre o sistema eleitoral e suas narrativas golpistas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) acumula uma série de reações da sociedade civil e de autoridades, incluindo de órgãos de outros países.
Foi destaque nas últimas semanas a articulação de dois manifestos, que teve ápice nesta quinta (11), com a leitura de ambos na Faculdade de Direito da USP, no centro de São Paulo.
Um deles teve em sua organização ex-alunos da instituição e já passou de 1 milhão de adesões. Assinaram empresários, banqueiros, artistas e ex-ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).
O outro reuniu mais de 100 signatários, entre entidades empresariais, sindicais e organizações da sociedade civil e foi articulado pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
Os dias que se seguiram ao encontro com os embaixadores já tinham sido marcados por reações de repúdio em cadeia, incluindo a cúpula do Judiciário, diferentes setores do Ministério Público, associações de servidores públicos da Polícia Federal, da Abin e do Ministério Público, e até mesmo declarações reiterando a confiança no sistema eleitoral brasileiro por parte de autoridades estrangeiras.
Desde que a organização das cartas se tornou pública, Bolsonaro já fez uma série de críticas aos manifestos, que chamou de "cartinhas".
No dia do evento em que foram lidos, o presidente apareceu nas redes para repercutir uma redução de preço anunciada pela Petrobras durante a manhã e afirmou: "Hoje, aconteceu um ato muito importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo brasileiro: a Petrobras reduziu, mais uma vez, o preço do diesel".
A chamada "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito" começou com a assinatura de 3.000 pessoas, entre banqueiros, empresários, juristas, atores e diversas outras personalidades, e já soma mais de 920 mil assinaturas.
Iniciativa suprapartidária, o texto não menciona o nome do presidente. A carta foi concebida com expressões moderadas para atrair o maior número possível de signatários, evitando termos que soassem radicais, divisivos, pró-PT, anti-Bolsonaro ou de qualquer forma partidário.
Uma das análises sobre a estratégia é a de que, com esse formato, a carta segue à risca uma das principais lições de intelectuais que estudam o avanço do autoritarismo em diferentes países. No caso, que a formação de uma coalizão tão ampla quanto possível é a melhor maneira de barrar aventuras golpistas.
Isso porque, de acordo com cientistas políticos, filósofos e historiadores que têm analisado a escalada de políticos autoritários e populistas em diferentes nações, um erro frequente das forças democráticas é o de permanecerem desunidas até que seja tarde demais.
Veja a cronologia
18.jul
- O presidente Jair Bolsonaro fez uma apresentação a dezenas de embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada para repetir teorias da conspiração sobre urnas eletrônicas, desacreditar o sistema eleitoral, promover novas ameaças golpistas e atacar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal)
- No mesmo dia, há reações contra o episódio, uma delas foi do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Também a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil) se manifestou
19.jul
- O dia seguinte à fala de Bolsonaro aos embaixadores é tomado por reações de manifestações de autoridades, entidades e membros da sociedade civil, e da cúpula do Judiciário
-
Em ofício, procuradores da República afirmaram que Bolsonaro avilta a liberdade democrática e acionaram o procurador-geral da República para que o presidente seja investigado. Associações de servidores do Ministério Público também se manifestaram
- A Embaixada dos Estados Unidos disse que as eleições brasileiras são um modelo para o mundo e que os americanos confiam na força das instituições do Brasil
- Três associações de servidores da Polícia Federal emitiram nota conjunta afirmando que nunca foi apresentada qualquer evidência de fraudes em eleições brasileiras
20.jul
- Um porta-voz do governo dos Estados Unidos voltou a ressaltar que o país confia no sistema eleitoral brasileiro, que chamou de "modelo"
- A Intelis (União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin) divulgou um manifesto afirmando que confia na segurança do sistema eletrônica de votação
21.jul
- A Embaixada Britânica afirmou em nota que confia no sistema eleitoral brasileiro e que as urnas eletrônicas são reconhecidas internacionalmente
- Três dias depois do episódio e após muitas críticas por seu silêncio e inação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, divulgou um vídeo com falas em defesa do sistema eleitoral brasileiro, de uma entrevista concedida em 11 de julho, sem menção direta às declarações de Bolsonaro. Aras é apontado como omisso, dado que tem a prerrogativa de denunciar o presidente
26.jul
- A "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito" é aberta ao público para adesões no site "Estado de Direito Sempre!". Inicialmente o documento é divulgado com a assinatura de um grupo de 3.000 pessoas, entre banqueiros, empresários, juristas, atores e diversas outras personalidades
- A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) confirmou sua participação em manifesto elaborado por entidades da sociedade civil intitulado "Em Defesa da Democracia e da Justiça" e que deve ser publicado no dia 11 de agosto nos principais jornais do país
27.jul
- Em 24 horas, manifesto da USP somou 100 mil assinaturas
- A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) divulgou em comunicado que assinará o manifesto encaminhado pela Fiesp
- O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, afirmou ao ministro da Defesa brasileiro, general Paulo Sérgio Nogueira, que o governo Joe Biden espera que o Brasil mantenha a tradição de realizar eleições justas e transparentes neste ano
- O presidente Bolsonaro afirma que não precisa de "cartinha" para dizer que defende a democracia
- O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), rompeu o silêncio de nove dias sobre o assunto e disse confiar no sistema eleitoral brasileiro durante convenção de seu partido
3.ago
- Em culto evangélico, Bolsonaro evocou uma maioria cristã "do bem" e ironizou os manifestos, chamando-os de "cartinhas". Na data a carta da USP acumulava mais de 700 mil assinaturas
4.ago
- Um grupo de delegados de polícia publicou um manifesto na internet em defesa da democracia
8.ago
- A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Nacional decidiu lançar um manifesto próprio em defesa da democracia e foi alvo de críticas por não aderir às cartas já organizadas
-
Bolsonaro voltou a criticar o manifesto em reunião com banqueiros. "Vocês têm que olhar na minha cara, ver as minhas ações, e me julgar por aí", disse. "Não vou assinar cartinha."
10.ago
- O MPE (Ministério Público Eleitoral) pediu ao TSE para multar Bolsonaro por propaganda eleitoral antecipada e a retirada da internet de discurso contra as urnas durante reunião com embaixadores estrangeiros
- O YouTube alterou sua política de integridade eleitoral nesta quarta-feira (10) e derrubou o vídeo com o discurso do presidente aos embaixadores
11.ago
- Em um ato na Faculdade de Direito da USP, a "Carta às Brasileiras e aos Brasileiros" foi lida, sob aplausos e falas contra o autoritarismo. Na data, a carta contava com mais de 970 mil adesões. O remeteu a "Carta aos Brasileiros", lida na mesma instituição, em 1977, como denúncia da ilegitimidade da então ditadura militar
- A leitura da carta foi precedida da leitura de outro manifesto, endossado por mais de cem instituições, entre elas Fiesp e Febraban, além de centrais sindicais e organizações da sociedade civil
- A leitura dos manifestos na USP foi acompanhada de uma série de atos espalhados pelas cinco regiões do Brasil
- Nas redes sociais, o presidente buscou ironizar o ato. "Hoje, aconteceu um ato muito importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo brasileiro: a Petrobras reduziu, mais uma vez, o preço do diesel", escreveu na data
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