Processos na esteira de Junho de 2013 tiveram provas ilegais, condenações e absolvições

Justiça identificou em ações contra ativistas no RJ escutas irregulares de advogados e busca sem mandado

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Rio de Janeiro

Os processos abertos em razão de prisões feitas durante a jornada de manifestações no Rio de Janeiro entre junho de 2013 e julho de 2014 apontaram o uso de uma série de provas ilegais e resultaram, na maioria dos casos, em absolvições dos acusados.

Um grupo de 23 ativistas, preso na véspera da Copa do Mundo, recorre da condenação sob acusação de associação criminosa para atos violentos em protestos e corrupção de menores. O catador Rafael Braga, um homem negro, é um dos raros processados com pena já definitiva por uma prisão em flagrante nas manifestações.

Integrantes da Tropa de Choque e da Força Nacional em ação contra manifestantes para impedir a chegada ao estádio do Maracanã na final da Copa das Confederações no Rio - Eduardo Knapp - 30.jun.2013/Folhapress

As prisões de ativistas nesse período foram alvo de críticas de entidades defensoras dos direitos humanos. A polícia, por sua vez, afirmava atuar em reação à ação dos chamados black blocs, grupo de mascarados que promoviam depredação de prédios públicos e privados nos atos.

Após um ano de atos de vandalismo, a polícia fez uma operação para prender 23 acusados de organizar atos violentos. Os mandados de prisão foram cumpridos na véspera da final da Copa do Mundo de 2014.

Decisões posteriores da Justiça apontaram para o uso de uma série de provas ilegais no curso da investigação.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) considerou irregular a escuta telefônica feita contra advogados dos manifestantes. Ela foi autorizada pelo juiz Flávio Itabaiana contra defensores que tinham, na avaliação dele, atitudes suspeitas.

"Apenas aqueles que permaneceram com os manifestantes, em tempo integral, nos protestos e movimentos de ocupação de atos violentos, sem recebimento de honorários, e os que convocaram os manifestantes para as ocupações demonstraram atitudes suspeitas e contrárias ao estabelecido no Código de Ética da OAB ao fomentarem práticas de crimes."

O ministro Sebastião Reis Junior, relator do caso no STJ, entendeu, porém, que a ausência de vínculo financeiro entre advogado e cliente não altera a relação de defesa do acusado.

"Assusta-me que esteja presente na representação homologada pelo juiz do feito afirmativa que me permite pensar que a advocacia 'pro bono', casada com a participação em manifestações, seja encarada agora como crime."

O STF (Supremo Tribunal Federal), por sua vez, determinou a extração do rol de provas o depoimento de um policial da Força Nacional de Segurança que atuou infiltrado no grupo de manifestantes.

O ministro Gilmar Mendes, relator do processo, entendeu que o agente não teve, como determina a lei, autorização judicial para realizar o procedimento. A infiltração, para o Supremo, poderia servir apenas para a produção de relatórios de inteligência a fim de auxiliar no planejamento de segurança das manifestações, e não como prova numa ação penal.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também considerou ilegal a apreensão de material explosivo feito, segundo a polícia, na casa da professora de filosofia Camila Jourdan no dia das prisões.

Ela chegou a ser condenada em outro processo a seis anos de prisão pelo crime de posse de artefato explosivo sem autorização. Os desembargadores anularam a sentença porque os policiais não tinham um mandado de busca quando vasculhou o apartamento da professora, motivo pelo qual não poderiam realizar apreensão sem um flagrante delito.

A defesa da professora nega que ela tenha mantido os explosivos em casa.

Apesar das anulações das provas, Itabaiana considerou que depoimentos e escutas telefônicas ainda válidas da investigação eram suficientes para a condenação dos 23 acusados. As penas variaram de 5 a 7 anos de prisão

64 manifestantes presos em outubro de 2013 sob suspeita de terem promovido vandalismo e incendiado viaturas após protestos de professores no centro foram absolvidos em razão das fragilidades das provas apresentadas.

As prisões em flagrante realizadas em frente à Câmara Municipal usaram como base a lei de organizações criminosas, sancionada dois meses antes pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) como reação às manifestações.

Um dos presos foi Jair Seixas Rodrigues, conhecido como Baiano. O ativista foi detido sob suspeita de ter ateado fogo em duas viaturas.

Baiano ficou dois meses preso em razão da acusação. Ao fim do processo, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) considerou que não havia provas contra o ativista. A Promotoria viu contradição nos depoimentos dos policiais envolvidos.

"As ações que efetivamente o réu praticou durante a manifestação, enquanto suposto líder do grupo que danificou as viaturas, restaram vagas, frívolas e desamparadas como atos delitivos. Alguém gritar e gesticular em um protesto político é algo perfeitamente comum e esperado e poderia ter sido, seguramente, imputado a milhares de pessoas durante a passeata", escreveu o MP-RJ ao pedir a absolvição de Baiano.

Os irmãos Matheus e Douglas Silva Pontes e um menor de 18 anos que os acompanhava também foram absolvidos do crime em segunda instância. O adolescente carregava na mochila, segundo a polícia, uma garrafa com gasolina.

"Mesmo que os acusados tivessem alguma intenção de praticar algum crime utilizando a gasolina, não podemos descartar a hipótese de arrependimento e desistência para agirem contrariamente à lei e puni-los apenas pelos atos preparatórios. Agir assim, além de ilegal, sugeriria que estaríamos prevendo o futuro, o que, conforme sabemos, não é possível", escreveu o desembargador João Ziraldo Maia.

Melhor sorte não teve o catador Rafael Braga, morador de rua preso em junho de 2013 com duas garrafas plásticas com material inflamável, segundo perícia da polícia.

Embora o laudo tenha indicado baixa capacidade explosiva do líquido, a Justiça entendeu que a capacidade incendiária do material era o suficiente para condená-lo a 4 anos de prisão. Ele foi o primeiro detido nos protestos a ser condenado pela Justiça.

"Sequer é preciso ser expert para concluir que uma garrafa, ainda que plástica, contendo substância inflamável (etanol) e com pavio em seu gargalo possui aptidão incendiária ao ser acionada por chamada."

A defesa de Rafael pretende pedir a revisão criminal do caso.

O processo contra os dois acusados de matar o cinegrafista Santiago Andrade com um rojão durante uma manifestação no Rio de Janeiro está praticamente parado há quase três anos, aguardando laudos da Polícia Civil.

A sessão do Tribunal do Júri para julgar Fábio Raposo Barbosa e Caio Silva de Souza chegou a ser marcada há quatro anos para julho de 2019. A busca pela íntegra das imagens gravadas por Santiago e, principalmente, a demora do ICCE (instituto de Criminalística Carlos Éboli) em enviar parecer sobre o material da investigação adiou o julgamento, agora marcado para dezembro.

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