Curador ajuda público a se informar sobre cultura nas redes

Grande quantidade de conteúdos disponíveis online dificulta a seleção da programação cultural, dizem especialistas

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São Paulo

Ao buscar informações sobre cultura, a maioria (55%) dos brasileiros utiliza as redes sociais, segundo pesquisa realizada pelo Datafolha em parceria com o Itaú Cultural neste ano. Em segundo lugar, com 35%, aparecem as sugestões de amigos e parentes.

O papel da crítica de arte diante desses dados foi tema da segunda mesa da 3ª edição do seminário Vida Cultural, promovido pela Folha e pelo Itaú Cultural na última quinta-feira (15). Com mediação de Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima, a mesa reuniu dois críticos e dois influenciadores.

Patrick Torres, estudante de medicina e tiktoker, afirma que os criadores de conteúdo ajudam a democratizar o conhecimento sobre arte.

Imagem de auditório com cinco pessoas, quatro homens e uma mulher, durante seminário
Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima, mediou o segundo painel do evento realizado no auditório do Itaú Cultural, em São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

Produzindo vídeos curtos sobre clássicos da literatura, ele reúne cerca de 320 mil seguidores no TikTok, plataforma escolhida por 38% dos entrevistados que disseram usar as redes como fonte de informação, atrás do YouTube (63%), do Facebook (46%) e do Instagram (45%).

"A comunidade de ‘booktokers’ atinge de pré-adolescentes a pessoas que estão fazendo doutorado. Os vídeos são repletos de comentários de quem está na escola e diz que o professor pediu para ler o livro, e de pessoas mais velhas que leem o autor desde que estavam no colégio", afirma.

Patrick Torres também criou o podcast Nas Horas Vagas, Machado de Assis, em que se dedica a ler contos do autor. Desde o lançamento, em julho deste ano, já foram publicados dez episódios —o mais popular, sobre o conto "A Cartomante", obteve 3.414 reproduções no Spotify.

"Minha proposta é tornar o clássico acessível, inclusive do ponto de vista da linguagem, porque essa literatura, por ser rica em floreios, encontra alguns problemas ao ser comunicada para pessoas que gostam de consumir informação mais rápida. Quero fazer com que o público entenda que o clássico é clássico por ser bom, não só porque alguém disse que é clássico."

Para o jornalista e crítico literário Manuel da Costa Pinto, a transição dos veículos tradicionais às redes como fonte de informação elimina a mediação que era feita antes por críticos literários —porque hoje, para fazer com que o público conheça um livro, o autor não precisa mais submetê-lo à análise de uma revista ou suplemento literário.

A mudança nesse processo, de acordo com ele, não significa que as obras atuais têm menos qualidade, mas dificulta a formação de pensamento crítico, sobretudo entre os mais jovens. Isso porque, diz o crítico literário, a repercussão de uma publicação acontece entre pequenas bolhas e nem sempre quem aprendeu a se informar com a internet, sem referências de meios anteriores, sabe distinguir o que é informação ou opinião.

"Existe diferença entre o que é meramente opinativo e o que é embasado em reflexões que passam por teorias e conceitos. Cada texto crítico sobre filmes, livros e peças de teatro embute uma concepção do que é arte e essa visão serve de referência, é um ponto de fuga para contemplar e organizar o pensamento crítico. Isso é mais difícil de constituir no ambiente digital."

Inácio Araújo, crítico de cinema da Folha desde 1983, acredita que frente à abundância de informações espalhadas nas redes, fator que dificulta a visualização completa da programação cultural, a figura de um "gatekeeper", alguém que avalia e seleciona o que é melhor, continua importante.

"A ausência de mediação é democratizante, mas essa autoridade é necessária para ter parâmetro. Hoje, as pessoas são muito ansiosas —inclusive porque a transformação é contínua, com conteúdos passando do YouTube para o TikTok— e, ao mesmo tempo, esse é um mundo de fake news, e a gente perde um pouco do senso crítico com isso."

A youtuber e podcaster Carol Moreira, especializada em filmes e séries, ressalta a grande quantidade de conteúdo cultural disponível online.

Ainda há demanda por um mediador, um orientador, um influenciador. Tem milhões de coisas nos streamings, então é importante ter alguém diga que o que ver nessas plataformas

Marcos Augusto Gonçalves

editor da Ilustríssima

"Quando comecei, em 2012, fazia muita crítica de filmes e séries, mas eram quatro grandes estreias ou menos no cinema. Como não existia streaming, falava de séries que passavam num determinado canal toda semana. Hoje, cada streaming lança vários filmes a cada quinta-feira, fora as coisas da TV", diz.

Formada em cinema, Moreira já trabalhou no site Omelete e hoje faz parte equipe do podcast de true crime Modus Operandi. Na opinião dela, a ansiedade do público por comentários rápidos e publicados logo após os lançamentos se intensifica diante de um volume crescente de novidades —ainda que acompanhar todas as estreias seja uma tarefa complexa para espectadores e criadores.


Assista ao evento completo:


"É um mundo completamente fragmentário, com coisas fabulosas, mas parece um labirinto. De repente, alguém dá uma indicação boa, mas sem isso você nunca vai ficar sabendo, porque são milhões de filmes", diz Araújo.

Os especialistas também abordaram dificuldades do próprio público em escolher e analisar criticamente as fontes de informação utilizadas, já que há materiais rasos, mas com grande audiência, publicados nas redes.

"Quando migram para a internet, pessoas que têm a memória de terem aprendido a se informar em jornais, revistas e programas de televisão não abandonam as referências. Elas sabem como se produz uma notícia com trabalho editorial e reflexão crítica característicos do jornalismo tradicional. Quem nasce no ambiente digital perde um pouco dessa referência", afirma Costa Pinto.

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