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CRITÉRIOS
Especialistas discutem vantagens e problemas
do método de avaliação utilizado pela Folha
Uso de indicadores exige cautela
LEOPOLDO DE MEIS
CRISTINA MAIA
DENISE LANNES
RITA
PINHEIRO MACHADO
especial para a Folha
No início da década de 60, surgiram os primeiros bancos
de dados sobre a parte da literatura mundial publicada nos periódicos
científicos mais consultados. A partir desses bancos, tornou-se
possível a obtenção rápida de informações
sobre a obra científica de um determinado pesquisador.
As agências financiadoras, preocupadas com a distribuição
de recursos, passaram a utilizar com mais frequência os índices
bibliométricos para avaliar a produtividade e a qualidade da pesquisa
de cientistas. A avaliação com base nos números de
publicações e de citações desperta controvérsias.
Muitos se perguntam até que ponto o número de publicações
e de citações reflete a produtividade do cientista e a qualidade
de um projeto de pesquisa.
Em 1989, Stephen Cole, do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual
de Nova York, estudou uma amostra de 300 doutores de cinco áreas
diferentes e encontrou correlações positivas entre a auto-avaliação,
a avaliação pelos pares e o número de citações.
Ele concluiu que as citações são de fato um indicador
da qualidade do trabalho científico.
Nesse mesmo ano, também preocupados com essa questão, realizamos
um estudo com 40 colegas da Sociedade Brasileira de Bioquímica,
responsáveis por 54% das publicações científicas
brasileiras em bioquímica e biologia molecular no período
de 1979 a 1989. Pedimos que cada qual avaliasse seu próprio trabalho
(auto-avaliação) e o trabalho dos demais colegas (avaliação
pelos pares) sem ter acesso aos currículos. Portanto, só
avaliariam o colega se julgassem ter boa noção da sua obra
científica por meio de parâmetros tais como palestras. Assim
como no trabalho de Cole, obtivemos uma forte correlação
positiva entre a avaliação pelos pares e a frequência
e o número de trabalhos publicados.
Quando comparamos a auto-avaliação com a avaliação
feita pelos pares, encontramos um alto nível de concordância,
onde cerca de 80% se atribuiu o mesmo grau que o atribuído pelos
colegas. Havia, porém, diversos casos em que o grau da auto-avaliação
não concordou com o grau dado pela comunidade, podendo significar
um erro de auto-avaliação ou mesmo a realidade. Esses casos
mostram a necessidade de se complementar o estudo com entrevistas para
se construir uma avaliação mais correta.
A partir desse estudo, decidimos utilizar indicadores bibliométricos
somente para avaliar instituições ou buscar o perfil e a
evolução da ciência brasileira como um todo e nunca
com indivíduos de forma isolada. A vantagem principal dessa opção
é trabalhar com grandes números, onde pequenas distorções
não modificam necessariamente o cenário. Acompanhamos de
1981 a 1993 o total de artigos publicados e o crescimento da pós-graduação.
Verificamos que houve aumento de 250% dos números totais de trabalhos
científicos publicados no país e de 204% da parcela brasileira
em relação à produção científica
mundial, com uma boa correlação entre o crescimento rápido
da produção científica a partir de 1987 e o aumento
de investimentos na pós-graduação.
Em outro trabalho, mostramos que a frequência de publicações
nas diversas áreas do saber no Brasil é semelhante à
encontrada no mundo. Nas ciências da terra e do meio ambiente, a
frequência brasileira, semelhante ao restante do mundo, é
na realidade insuficiente para o nosso país, pois o número
absoluto de trabalhos é muito reduzido, principalmente se levarmos
em consideração que 41% do território nacional é
ocupado pela floresta amazônica, infelizmente tão pouco conhecida.
Esses exemplos demonstram as várias aplicações dos
índices bibliométricos com resultados que podem ser úteis
para a formulação de políticas científicas
e para avaliação de grandes programas, como por exemplo
o caso da pós-graduação. Devemos, contudo, utilizar
cuidadosamente essa ferramenta, assim como qualquer outra utilizada para
avaliação.
O número de revistas indexadas no ISI (Instituto para a Informação
Científica) corresponde a 10% do total de revistas científicas
distribuídas por todo o mundo. Milhares de artigos científicos
deixam de ser computados, o que compromete, principalmente, a produção
científica dos países menos desenvolvidos, onde grande parte
dos trabalhos científicos são publicados em periódicos
locais não indexados.
Outro aspecto importante é que os índices bibliométricos
não permitem uma avaliação correta para todas as
áreas do saber, pois publicações em periódicos
indexados não são seu produto principal, como a produção
de patentes, a criação de novos produtos tecnológicos
e outros. Nas ciências humanas, a maior parte da produção
brasileira parece estar em livros publicados na língua portuguesa,
que não são indexados pelos principais bancos internacionais,
pouco são lidos fora do Brasil e, portanto, não citados
na bibliografia internacional.
Devemos também considerar as autocitações, as citações
negativas e a popularidade de uma determinada área que se modifica
com o tempo. Na década de 80, os trabalhos de biologia molecular
eram mais citados do que os de fisiologia celular e, atualmente, podemos
notar uma inversão dessa tendência, o que não significa
que uma área esteja melhor do que a outra. O tempo de carreira
do cientista também deve ser considerado. Esses fatos demonstram
a necessidade de cautela no uso de indicadores. Por isso, nos trabalhos
em que utilizamos os índices bibliométricos nunca informamos
dados individuais. Para a correta avaliação do trabalho
de um pesquisador, faz-se necessário entrevistas e vários
tipos de abordagem, evitando, sempre que possível, um enfoque único.
Leopoldo De Meis é professor do Departamento de
Bioquímica Médica da UFRJ (Universidade Federal do Rio de
Janeiro). Cristina Maia, Denise Lannes e Rita Pinheiro Machado são
pós-graduandas do Departamento de Bioquímica Médica
da UFRJ.
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