São Paulo, domingo, 12 de setembro de 1999


 

VERBAS
Responsáveis pela concessão de bolsas dizem que citações não são o único critério de avaliação

Entidades preferem
outros sistemas


MARCELO DAMATO
da Reportagem Local

Responsáveis pela avaliação da pesquisa de três das principais instituições do país ligadas à ciência reconhecem a importância do número de citações como indicador, mas ressalvam que não pode ser usado como parâmetro único.
A posição defendida por esses especialistas é que a avaliação pelos próprios cientistas, usando parâmetros objetivos, ainda é a melhor maneira de avaliar um cientista.
Luís Valcov Loureiro, da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Hernan Chaimovich, da USP (Universidade de São Paulo), e Fernando Reinach, que até o final de julho esteve no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), estão ou estiveram envolvidos nesse tipo de trabalho.
Diretor de programas da Capes, Loureiro coordena a avaliação dos institutos e departamentos das universidades e instituições de pesquisa do país. O resultado de seu trabalho serve, por exemplo, para a distribuição das verbas e bolsas de pós-graduação.
Pró-reitor de pesquisa da maior universidade pública brasileira, Chaimovich, por outro lado, coordena processos de contratação, de promoção e de mudança de regime de trabalho dos pesquisadores da USP.
Já Reinach, que trabalhou na gestão do ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira (Ciência e Tecnologia), coordenava o programa de bolsas de pesquisa, que funciona como uma forma de complementação de salário para cientistas de todo o país.
Embora de modo diferente, os três precisam (ou precisavam) decidir basicamente quem (pessoa ou instituição) merece receber parte do dinheiro que sua instituição tem para distribuir.
Na USP, a maior parte da verba é distribuída individualmente, sob a forma de salário, que varia conforme o estágio da carreira e o regime de trabalho. O CNPq também avalia os pesquisadores separadamente. Já a Capes dá o dinheiro à instituição, que tem alguma autonomia para investir.
O bioquímico Chaimovich, 60, elogiou a iniciativa da Folha em publicar a lista. ‘‘Num país onde os ídolos vêm do esporte, do rock ou da corrupção, informar o leitor de que um grande número de pessoas têm um impacto grande na produção científica global é aumentar a possibilidade de que o cientista seja reconhecido.’’
Mas ele considera que a lista é insuficiente. "Ninguém decide com base em numerinhos."
A USP, na opinião dele, usa um sistema mais sofisticado de avaliar os pesquisadores que já estão ou querem entrar na universidade. ‘‘Há alguns anos, só entram, por concurso público ou seleção, professores que tenham, no mínimo, o doutoramento concluído.’’
Nos processos de seleção ou de promoção, são analisados também o currículo do candidato e sua capacidade didática. Além disso, os pesquisadores que estão em Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) têm seu trabalho avaliado a cada três anos por uma comissão integrada por professores de todas as áreas do conhecimento.
Já a Capes, quando avalia a instituição, pede a cada pesquisador que indique suas citações. Mas o resultado individual não importa.
‘‘A Capes trabalha institucionalmente. Quero que as instituições de pesquisa tenham como um todo maior titulação e melhores condições de desempenhar o seu papel’’, diz Loureiro, que é professor licenciado do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da USP. Ele afirma também que a Capes também se preocupa com atividade do pesquisador como orientador de alunos de pós-graduação.
‘‘Para nós também conta muito quantos alunos de pós a instituição tem por professor, em quanto tempo eles conseguem defender a tese. Existem pesquisadores com uma grande produção, mas que não formam quase ninguém.’’
O biólogo molecular Fernando Reinach, 42, com uma experiência de seis anos na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e sete meses no CNPq, criticou a lista da Folha. Segundo ele, esse índice marginaliza os cientistas mais jovens, porque reflete a importância acumulada dos trabalhos publicados.
‘‘Se eu fosse dar as bolsas só por esse índice, nenhum pesquisador promissor a ganharia, porque não teria tempo de carreira suficiente para acumular citações.’’
Na outra ponta, os mais idosos só perderiam suas bolsas na aposentadoria, abrindo então vaga para um cientista de meia idade.
‘‘O que eu quero é não perder o jovem cientista que vai ser muito bom’’, disse Reinach. ‘‘No mínimo tem que se ponderar esse índice pelo tempo de carreira ou pela idade. Por isso, e porque até pouco tempo atrás era difícil aos pesquisadores levantarem o número de citações de um colega, ele quase nunca se preocupou com o índice de citações enquanto esteve no CNPq.
‘‘Na minha época se usava a avaliação por pares. Enviávamos o processo para dois pesquisadores que deveriam atuar o mais próximo possível da área dele, mas não tinha conflito de interesse. Cada um emitia um parecer, e ambos eram enviados ao comitê de assessoramento, que classificava os candidatos.’’
Os três, no entanto, mostraram discordância sobre como a lista deve ser feita.
Chaimovich sugeriu que sejam separadas ‘‘aquelas em que no endereço tenha pelo menos um endereço brasileiro’’ daquelas que foram totalmente feitas no exterior, o que serviria para identificar a pesquisa feita no país.
‘‘Nunca pensei sobre isso. Mas acho que o conceito de ‘ciência brasileira’ pode ficar fragilizado se levado a extremos. Na astronomia, por exemplo, grande parte dos estudos usam imagens captadas por observatórios de instituições estrangeiras’’, ponderou.
Alguns pesquisadores ouvidos pela Folha defenderam a separação porque julgam que as pesquisas feitas nos EUA e Europa são, em média, mais citadas.
‘‘Isso não é verdade. Imagino que seja um dos 15 primeiros da lista da Folha na minha área e não trabalho no exterior há uns 150 anos’’, exagerou Chaimovich.
Chaimovich discordou até da posição de que o número de citações é mais significativo do que o número de trabalhos. ‘‘Isso depende da área específica que se estuda. Numa área muito dinâmica, com muita gente trabalhando, as citações são mais importantes. Mas numa outra área, menos dinâmica, o número de trabalhos é um indicador mais confiável.’’
Reinach não deu importância à discussão sobre os critérios. ‘‘As listas de citações são boas para o ego das pessoas que estão em cima. Querer aparecer no topo dessa lista no Brasil é uma briguinha entre a classe média mundial.’’


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