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Ciência
e numerologia
IVAN CHAMBOULEYRON
especial para a Folha
O número de citações de trabalhos científicos
é um critério a mais para qualificar o mérito do
cientista, e nunca o único critério de relevância.
Um autor pode, por exemplo, ter um número elevado de citações
por razões que pouco tenham a ver com a sua competência ou
relevância científica. Por exemplo, a de participar como
co-autor ou autor não principal em trabalhos que foram muito citados.
A literatura contém artigos que viraram citation classics,
contendo autores cujos nomes desapareceram depois.
Essa situação ocorre com maior freqüência nos
estágios de jovens pesquisadores no exterior em equipes ou laboratórios
de grande importância científica. Essas equipes são
sempre lideradas por um grande cientista e trabalham sobre temas quentes.
Na verdade, as publicações dessas equipes são as
que, de certa forma, criam a moda científica, e são
muito mais citadas do que as outras, relativas a temas menos quentes.
O novo ranking da Folha inclui citações de trabalhos
de pesquisadores brasileiros produzidos em períodos em que eles
estagiaram no exterior. Muitos dos que regressam ao Brasil tentam reproduzir
aqui as atividades de pesquisa que realizaram no Primeiro Mundo. A experiência
mostra que essas tentativas não são muito bem-sucedidas.
Esses fracassos nada têm a ver com a qualidade do pesquisador, mas
sim com a percepção que ele tem da ciência nos países
periféricos.
O que realmente interessa à sociedade é o quanto beneficiou
o país aquela experiência num grande laboratório do
Primeiro Mundo. Desse ponto de vista, a iniciativa da Folha pode
induzir a um grande erro, a menos que se publiquem em listas separadas
as citações conseguidas durante o estágio no Primeiro
Mundo e as conseguidas com publicações originadas na pesquisa
realizada no Brasil. Assim, o leitor poderá comparar o impacto
produzido pelas pesquisas da mesma pessoa fora e dentro do Brasil, e perceber
duas coisas: primeiro, o grau de senioridade do pesquisador
formado no exterior e, segundo, que as citações dos trabalhos
aqui realizados são muito mais suadas do que as citações
de trabalhos feitos no Primeiro Mundo.
A numerologia das citações fornecida pelo ISI é fácil
de ser feita, mas a realidade acadêmica não é tão
simples. Um pesquisador atinge o nível de excelência almejado
pela Folha não somente pelas citações, mas
também por outros indicadores de prestígio: distinções
acadêmicas, palestras a convite, prêmios dentro e fora do
Brasil, participação nos comitês de programa de congressos
da especialidade, títulos honoríficos, fellowships
etc. Esses indicadores não são fornecidos pelo ISI e são
de contabilização mais difícil, mas indispensáveis
para um julgamento válido, pois ajudam a entender o grau de inserção
e reconhecimento do pesquisador nacomunidade.
A pesquisa no Terceiro Mundo tende a copiar os temas pesquisados
no Primeiro Mundo, que muitas vezes não são relevantes num
contexto de desenvolvimento diferente. Muitas vezes, as revistas de prestígio
internacional nos levam a publicar trabalhos em determinadas áreas,
e não em outras que, apesar de serem altamente relevantes no nosso
contexto, cabem mal na ciência internacional. Trabalhos
científicos bem-feitos, de alta relevância na realidade brasileira,
podem não ser aceitos nas melhores revistas. E, mesmo sendo aceitos,
não terão grande número de citações,
uma vez que fogem dos temas em voga. Esse é um dos aspectos trágicos
da ciência nos países subdesenvolvidos. Os próprios
cientistas nem sempre são conscientes e parecem ajudar a perpetuar
um sistema inadequado. Os países do Terceiro Mundo precisam desenvolver
sistemas de avaliação de atividades de ciência e tecnologia
diferentes dos importados do Primeiro Mundo, que incluam a natureza dos
problemas fundamentais da sociedade e o hiato científico-tecnológico.
Ivan Chambouleyron, físico, é pró-reitor de pesquisa
da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
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