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O melhor método
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
do Conselho Editorial
Até fins da década de 50, a contribuição de
um pesquisador à ciência em particular ou ao corpo geral
do conhecimento era avaliada a partir de dois registros. Em primeiro lugar,
daquele relativo a suas publicações e, em segundo, de um
outro, correspondente às repercussões que as
ditas comunicações alcançassem. Essas repercussões
se mediam pelo número de convites que o cientista recebera para
apresentar seus trabalhos em congressos e instituições de
renome, por eventuais prêmios, cargos de prestígio, academias,
comissões etc. E as publicações também eram
aferidas pelo renome do veículo utilizado.
Esse método apresentava com frequência disparidades entre
os dois itens. Artigos publicados em revistas de qualidade consagrada
não alcançavam repercussão nenhuma, ou muito pouca.
E, às vezes, um único artigo obtinha tanta repercussão
que o autor poderia ser consagrado unicamente com ele. Foi então
que, em fins dos anos 50, foi desenvolvida uma sistemática para
avaliar a contribuição para a ciência de cada artigo
e de cada autor. A convicção era de que idéias, resultados,
observações, teorias, só são incorporados
ao conhecimento universal ao serem usados por outros cientistas. Assim,
o volume de citações que recebe uma contribuição,
avalia, com relativa precisão, o grau com que esse trabalho impregnou
a ciência. Muitas são as críticas a esse novo sistema
de avaliação. No que segue, vamos examiná-las.
1 - As objeções mais frequentes se referem a comparações
entre autores que atuam em campos diferentes do conhecimento. Algumas
áreas teriam muito mais pesquisadores e seria portanto de se esperar
que cientistas atuantes nelas recebessem número muito maior de
citações. A conclusão é falsa, pois o universo
que faz e o que recebe as citações é o mesmo. Uma
segunda objeção, embora infrequente é, todavia, pertinente.
Campos distintos do conhecimento têm atitudes variadas em relação
à citações. Assim, biólogos, bioquímicos
e biomédicos em geral, por exemplo, são mais generosos em
relação a citações e publicam com mais frequência
do que físicos, que, por sua vez, são menos avaros que matemáticos.
2 - A segunda categoria de censura se refere a comparações
entre cientistas que tiveram diferentes oportunidades de trabalho. Alguns
passaram longos períodos em grandes centros no exterior, desfrutando
de ambiente intelectual fértil, de colaboração qualificada,
enquanto outros ficaram confinados a instituições precárias.
De fato, uma comparação entre estas duas categorias encerra
uma injustiça. E, se injustiça foi feita, há outras
ainda maiores. Haverá algo pior do que nascer burro? Enfim, a avaliação
proposta não pretende avaliar o bom cidadão ou o patriota,
ou o injustiçado, mas simplesmente aquilatar a contribuição
do pesquisador para a ciência.
3 - Um terceiro tipo de contestação se reporta àqueles
itens que eram utilizados no passado, valorizando estágios, participação
em congressos, prêmios etc. Qualquer uma dessas atividades, quando
profícua, leva a, ou decorre de, publicações, que,
se consequentes, são citadas.
Se um pesquisador formou um número apreciável de doutores
e ele mesmo não é citado em quantidade compatível
é porque há algo de podre no reino da Dinamarca.
Convites e prêmios também podem ser obtidos por tráfico
de influência. Um número elevado de homenagens
na ausência de citações revela antes uma ação
entre amigos. É claro que há alguns acadêmicos
que se destacam pela atuação político-administrativa
construtiva, mas estes poucos indivíduos, serão avaliados
por outros parâmetros.
A contribuição científica de um pesquisador é
portanto resumida e adequadamente descrita com melhor transparência
e acuidade em uma lista de citações do que em qualquer outro
agregado de informações imaginado no mundo acadêmico
até o presente.
Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 67, físico,
é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha.
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