São Paulo, domingo, 12 de setembro de 1999


 


O melhor método


ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE
do Conselho Editorial

Até fins da década de 50, a contribuição de um pesquisador à ciência em particular ou ao corpo geral do conhecimento era avaliada a partir de dois registros. Em primeiro lugar, daquele relativo a suas publicações e, em segundo, de um outro, correspondente às “repercussões” que as ditas comunicações alcançassem. Essas “repercussões” se mediam pelo número de convites que o cientista recebera para apresentar seus trabalhos em congressos e instituições de renome, por eventuais prêmios, cargos de prestígio, academias, comissões etc. E as publicações também eram aferidas pelo renome do veículo utilizado.
Esse método apresentava com frequência disparidades entre os dois itens. Artigos publicados em revistas de qualidade consagrada não alcançavam repercussão nenhuma, ou muito pouca. E, às vezes, um único artigo obtinha tanta repercussão que o autor poderia ser consagrado unicamente com ele. Foi então que, em fins dos anos 50, foi desenvolvida uma sistemática para avaliar a contribuição para a ciência de cada artigo e de cada autor. A convicção era de que idéias, resultados, observações, teorias, só são incorporados ao conhecimento universal ao serem usados por outros cientistas. Assim, o volume de citações que recebe uma contribuição, avalia, com relativa precisão, o grau com que esse trabalho impregnou a ciência. Muitas são as críticas a esse novo sistema de avaliação. No que segue, vamos examiná-las.
1 - As objeções mais frequentes se referem a comparações entre autores que atuam em campos diferentes do conhecimento. Algumas áreas teriam muito mais pesquisadores e seria portanto de se esperar que cientistas atuantes nelas recebessem número muito maior de citações. A conclusão é falsa, pois o universo que faz e o que recebe as citações é o mesmo. Uma segunda objeção, embora infrequente é, todavia, pertinente. Campos distintos do conhecimento têm atitudes variadas em relação à citações. Assim, biólogos, bioquímicos e biomédicos em geral, por exemplo, são mais generosos em relação a citações e publicam com mais frequência do que físicos, que, por sua vez, são menos avaros que matemáticos.
2 - A segunda categoria de censura se refere a comparações entre cientistas que tiveram diferentes oportunidades de trabalho. Alguns passaram longos períodos em grandes centros no exterior, desfrutando de ambiente intelectual fértil, de colaboração qualificada, enquanto outros ficaram confinados a instituições precárias. De fato, uma comparação entre estas duas categorias encerra uma injustiça. E, se injustiça foi feita, há outras ainda maiores. Haverá algo pior do que nascer burro? Enfim, a avaliação proposta não pretende avaliar o bom cidadão ou o patriota, ou o injustiçado, mas simplesmente aquilatar a contribuição do pesquisador para a ciência.
3 - Um terceiro tipo de contestação se reporta àqueles itens que eram utilizados no passado, valorizando estágios, participação em congressos, prêmios etc. Qualquer uma dessas atividades, quando profícua, leva a, ou decorre de, publicações, que, se consequentes, são citadas.
Se um pesquisador formou um número apreciável de doutores e ele mesmo não é citado em quantidade compatível é porque “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Convites e prêmios também podem ser obtidos por tráfico de influência. Um número elevado de “homenagens” na ausência de citações revela antes uma “ação entre amigos”. É claro que há alguns acadêmicos que se destacam pela atuação político-administrativa construtiva, mas estes poucos indivíduos, serão avaliados por outros parâmetros.
A contribuição científica de um pesquisador é portanto resumida e adequadamente descrita com melhor transparência e acuidade em uma lista de citações do que em qualquer outro agregado de informações imaginado no mundo acadêmico até o presente.

Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 67, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha.


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