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No Coachella, Anitta e Pabllo mostraram Brasil além da bossa nova

Shows no festival mais importante do planeta sancionam entrada do país no mercado pop internacional

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Neste fim de semana, Anitta e Pabllo Vittar se tornaram as primeiras cantoras brasileiras a se apresentarem nos palcos do festival Coachella.

O evento californiano tem na sua história performances colossais de nomes como Beyoncé, Drake e Daft Punk. Ainda que não entrem nessa lista, as brasileiras tampouco se furtaram ao protagonismo exigido de artistas desse nível.

A cantora Anitta durante show no festival americano Coachella - AFP

Em shows precisos, com mais altos que baixos, Anitta e Pabllo Vittar comprovaram a dominação das mulheres e dos LGBTQIA+ na versão mais internacional do pop brasileiro e brincaram com símbolos e dinâmicas do imaginário nacional no exterior — ora os refutando, ora os reforçando.

Porta-estandarte de um sonho dourado americano, o Coachella ganhou o posto de mais importante evento da música na última década, em oposição aos mega festivais urbanos da costa leste dos Estados Unidos e chuvosos do Reino Unido.

Quem já pisou no deserto de Indio nessa época sabe que o público do festival é um misto de adultos recém-saídos da adolescência — muitos nem assistem aos shows e passam o dia na área de barracas—, fãs mais ou menos apaixonados pelos muitos artistas que se apresentam e um quem é quem de famosos. Todos, claro, munidos de celulares, criando conteúdo para as redes.

Acostumadas a ganhar títulos de precursoras, Anitta e Pabllo levaram outros desses para suas estantes neste contexto. Anitta foi a primeira brasileira a se apresentar no principal palco do evento. Já Pabllo pode ostentar a placa de primeira drag queen a fazer um show no Coachella.

Anitta investiu pesado no espetáculo para criar uma opereta de imagens, coreografias, figurino e som. No palco no primeiro dia do festival, sexta (15), empacotou seus últimos dois álbuns e diversos singles em interlúdios e deixou espaço para os maiores hits. As percussões em primeiro plano e as guitarras deram um suíngue bem-vindo aos arranjos ao vivo.

Outra boa cartada foi o uso que ela fez de elementos tipicamente nacionais, muitas vezes desconstruídos em seguida. Bate-bolas dançando reggaeton, a introdução de "Garota de Ipanema" para a faixa "Girl From Rio" e a faixa "Magalenha" com batidas do funk de São Paulo estão nessa lista.

Pabllo também se arvorou no funk no sábado (16), levando à Califórnia essa e outras estruturas melódicas e rítmicas que sustentam seu último álbum, "Batidão Tropical", como tecnobrega e bachata.

Apesar do título, o Brasil de Pabllo no Coachella era uma versão dark, cybergótica, quase alinhada à PC Music de artistas como Charli XCX. É uma ponte que a cantora faz com maestria, como é o caso da sua versão canção "Ultra Som", da banda paraense Ravelly.

Pabllo Vittar durante show no palco do Coachella, que acontece na Califórnia - Reprodução

Sem apoio de banda, Pabllo teve de explorar sua voz ampla em diversos instantes — funcionou na maior parte do tempo. Seu show tampouco teve grandes pirotecnias. Parecia um contrassenso se comparado à sua mais recente apresentação no Lollapalooza Brasil, mas, ao contrário de Anitta, Pabllo não recebe aportes volumosos da sede americana de sua gravadora — e fazer um show tem seus custos.

Tanto Pabllo quanto Anitta fizeram shows cronometrados, sem espaço para improviso. Não é algo desconhecido do público do Coachella, apaixonado pela precisão de batidas do rap e da música eletrônica. O excessivo número de participações especiais nas músicas das duas artistas também deixou um vácuo nos shows, e ambas as cantoras tiveram de preencher o espaço vazio com danças e acenos para a plateia.

As trajetórias de Anitta e Pabllo, que culminaram no Coachella, conversam com o Brasil pós-Copa de 2014. No ano em que o país tinha sua maior vitrine internacional, Anitta vinha de um primeiro álbum lançado e Pabllo preparava seu début. As sucessivas crises que desde então tomaram o país não só afetaram o cotidiano dos brasileiros, como também dialogaram com a produção musical no Brasil — incluindo as duas artistas.

O elemento mais expressivo no som do país desde aquela época foi a ascensão de músicas historicamente marginalizadas, caso do funk e do brega.

Sem apoio e comprimidos pela discriminação, esses gêneros se desenvolveram em economias próprias, com sonoridades que giram em ciclos divididos entre o experimental e o popular.

Anitta e Pabllo bebem nessa fonte porque são cria delas —uma foi MC e a outra não esconde suas origens nos bregas do norte do país. O que as duas mostraram no Coachella foi justamente essa música brasileira, uma geleia geral de batidas ásperas, melodias cativantes e muita rebolada.

Por um lado, é um produto que ainda se sustenta nessa dinâmica antropofágica, tropicalista que o Brasil sempre vendeu para o mundo. Essa mistura, porém, hoje pode romper com a ideia que se faz da produção local lá fora— a bossa nova, a MPB — por sua essência: os sons e os artistas.

O processo que promove esses novas batidas e rostos brasileiros é industrial, é claro, e tem fins entre o lucro e a arte —é o mercado pop afinal. Mas, à parte os fins, nos palcos de Indio foram uma mulher e uma drag queen brasileiras cantando coisas como "Vai, Malandra" e "Amor de Quenga" que estamparam a cara da música popular brasileira para o mundo.

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