Era Outra Vez

Literatura infantojuvenil e outras histórias

Era Outra Vez - Bruno Molinero
Bruno Molinero
Descrição de chapéu Livros

Conheça o conto de fadas de Júlio Verne, de 'A Volta ao Mundo em 80 Dias'

'As Aventuras da Família Raton' brinca com a teoria da evolução de Darwin e ganha tradução no Brasil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ser o pai da ficção científica tem um preço. Não é exagero dizer que Júlio Verne foi um dos seres humanos mais inventivos de todos os tempos e que simplesmente antecipou ainda no século 19 criações tecnológicas que só ganhariam forma no século 20 —como o submarino, o helicóptero e o holograma, descritos em livros que se tornaram clássicos, casos de "A Volta ao Mundo em 80 Dias", "Vinte Mil Léguas Submarinas" e "Viagem ao Centro da Terra".

Quem quiser saber mais sobre essas invenções pode ler a coluna que o curioso Marcelo Duarte escreveu recentemente na Folhinha —é só clicar aqui. Mas abra em outra aba, porque o assunto deste texto é um Júlio Verne mais lado B e pouco conhecido.

O escritor francês Júlio Verne, considerado o pai da ficção científica
O escritor francês Júlio Verne, considerado o pai da ficção científica - Divulgação

Ser o pai da ficção científica tem um preço porque, ao produzir obras incontornáveis da literatura ocidental, é inevitável que algumas outras histórias acabem nas sombras. Foi o que ocorreu com um conto de fadas escrito por Verne em 1886.

"As Aventuras da Família Raton" tem tudo o que manda a receita: uma fada, é claro, mas também um bruxo maquiavélico, animais falantes, príncipes, palácios, histórias de amor e um vilão rico, poderoso e sem escrúpulos. A trama ficou tão jogada em segundo plano que só agora ganhou uma edição no Brasil, pelas mãos da editora Piu.

É óbvio que Verne não criaria um conto de fadas qualquer. Ele recheou o texto com viagens a mundos desconhecidos, o bom humor característico de seus textos e pitadas de ciência, aproveitando para tirar um sarro da teoria da evolução, formulada por Charles Darwin anos antes. Mas vamos primeiro a uma breve sinopse.

A história acompanha a família do título, formada por ratos: o sábio pai Ratônio, a esnobe mãe Ratânia, o desastrado primo Ratão, o cozinheiro Ratorello, a criada Ratolina e o casal formado pela filha Ratine e pelo apaixonado Rataniel. Mas eles não são necessariamente ou eternamente roedores.

O pulo do gato (ou do rato) é que existe uma fada capaz de fazer os seres vivos evoluírem e mudarem de forma. Sim, os ratos são apenas uma fase da vida. Se fizerem tudo certo, depois eles se tornam aves. Mais adiante, são transformados em grandes mamíferos. Por fim, viram seres humanos, que são a última fase. Mas há também um bruxo capaz de fazer todos voltarem atrás, forçando humanos a regressarem à forma de mamíferos, aves, ratos, peixes e ostras, a base da cadeia alimentar.

Enquanto Ratine e Rataniel enfrentam feitiços, bruxarias e maldições para se consolidarem como pessoas e poderem se casar, Verne inventa e descreve lugares fantásticos. Leva o leitor ao fundo do mar, com caranguejos, camarões, lagostas e linguados. Constrói a cidade de Ratópolis, com ratos avarentos, ratos de igreja e ratos dançarinos. Visita até a Índia, com árvores tropicais, desertos e uma esfinge.

Tudo bem que as descrições desses espaços não chegam aos pés das que encontramos em livros como "Viagem ao Centro da Terra", mas estamos num texto mais curto e para outro público. O importante é que a capacidade de aguçar a imaginação de quem lê é a mesma.

Isso também vale para o uso da ciência. Verne brinca com Darwin durante todo o conto de fadas. Os mais rigorosos vão dizer que o escritor não entendeu nada sobre seleção natural e que usa a biologia evolutiva de um jeito torto —e talvez o francês não tenha compreendido mesmo o que propõe "A Origem das Espécies".

Ilustração do livro "As Aventuras da Família Raton", de Júlio Verne
Ilustração do livro "As Aventuras da Família Raton", de Júlio Verne - Divulgação

O livro célebre de Darwin foi lançado no fim de 1859 e logo alcançou sucesso na Europa, ganhando uma polêmica tradução francesa em 1862. "As Aventuras da Família Raton" é de 1886, ou seja, 24 anos depois da edição de "A Origem das Espécies" na França, tempo suficiente para que Verne tenha lido ou, no mínimo, sido impactado pelos conceitos darwinianos.

Todos sabemos, ou deveríamos saber, que uma ostra não evolui para um peixe ou que um tigre não se torna um ser humano. Tampouco existe uma escala de valores na evolução –um ser humano não é melhor nem mais evoluído do que um jacaré, por exemplo, são apenas caminhos biológicos diferentes.

O que Verne faz no conto de fadas é usar a evolução como ferramenta para a ficção e para o bom humor —e um jeito de tirar uma casquinha de Darwin. O autor de "A Origem das Espécies" e os biólogos de plantão podem até torcer o nariz. Mas se o livro estiver fora na aula de ciências e dentro do universo da literatura e da fabulação, ele é um prato cheio para a imaginação e para dar risadas. Até porque um dos ratos, no fim, decide não se transformar em humano e seguir vivendo na sua forma peluda de roedor.

As Aventuras da Família Raton

  • Preço R$ 44 (76 págs.)
  • Autoria Júlio Verne
  • Editora Piu
  • Ilustradora Catarina Bessel
  • Tradutora Julia da Rosa Simões

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.