Casos do Acaso

Série em parceria entre a Folha e a Conspiração Filmes. Narrativas enviadas pelos leitores poderão se transformar em episódios audiovisuais criados pela produtora. Veja como participar no fim do texto

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Casos do Acaso

A gerente do banco e um cobertor esquecido me fizeram conhecer meu marido

Fui a um ano inteiro de festas da Unicamp, mas nunca havia cruzado com ele antes da formatura

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Nathalia Caballeira

Psicóloga clínica, mora em São Paulo

O ano era 2014 e minha vida amorosa estava o caos com que muitas mulheres vão se identificar: estava solteira há três anos, o rapaz que eu me interessava havia simplesmente sumido e me ignorado mesmo depois da minha insistência por respostas, me deixando em um completo vazio. Eu me sentia desinteressante, não desejada e nenhum site de aplicativos era capaz de me convencer de que criar um perfil online era o que eu precisava para conhecer alguém.

Eu buscava a espontaneidade da vida quando o assunto é relacionamento e qualquer mecanismo que ressoasse como um atalho ou uma tentativa arranjada de produzir encontros, eu recusava. Afinal, eu sou psicóloga clínica e seria uma incoerência trabalhar no terreno do encontro olho no olho, da empatia, da espontaneidade e fazer o oposto quando o assunto era a minha vida pessoal.

Pois bem, naquele 2014 confuso e sem respostas, um grande amigo, na tentativa de tirar este assunto do foco e me transportar para outras possibilidades, me convida para participar de um grupo do Whatsapp com ele e mais três meninos que eu não conhecia, pois eram seus colegas de faculdade. O que ele me diz é: “olha, só rola besteira, piada, palavrão... este é o objetivo do grupo e vai te permitir rir um pouco". Só isso.

O que nenhum de nós imaginava é que nos daríamos tão bem. O que começa como uma conversa despretensiosa foi se tornando uma amizade. Os meninos, assim como meu amigo, faziam a faculdade de engenharia elétrica da Unicamp e eu, aproveitava as aulas do mestrado às quintas, fechava a agenda do consultório mais cedo na sexta e ia para Campinas estar na república, ir as festas e passar o fim de semana com eles.

Eu acabei saindo com algum deles? Não. Eu aproveitava essas festas para ficar com alguém? Não. Eu bebia, dançava, comia um brigadeiro de maconha ali, outro lá, e me divertia muito como uma boa jovem de 23 anos. Eu sentia que lá, com eles, tínhamos algo especial, sagrado, do terreno da amizade. E tudo aquilo já me fazia tão bem que eu não queria preencher com outra coisa.

Um ano depois, em fevereiro, os meninos me comunicam da festa de formatura deles e que, claro, eles gostariam muito que eu estivesse. Só que os ingressos de uma festa dessa são muito caros! Eu disse a eles que, naquele momento, eu não tinha dinheiro (sem pedir ajuda a meus pais) para dar algo entre R$ 400 e R$ 500 por uma noite, mas que tentaria dar um jeito.

Os dias foram passando, os meninos insistindo e eu querendo muito ir à festa. Até que chega o último dia da venda dos ingressos e eu sem nenhuma perspectiva de dinheiro. Um dos meninos me liga pela manhã e enfatiza que irá no fim do dia comprar ingressos e que, até lá, eu tinha que ter uma resposta final. Eu falei que se conseguisse o dinheiro, eu iria na festa de qualquer forma.

O telefone toca. É uma moça buscando uma analista e marca comigo a primeira entrevista para a semana seguinte. Viva! Consegui! Depois penso comigo: nananinanão. Você precisa do dinheiro hoje e esta pessoa não é sua paciente. É uma entrevista, daí vamos avaliar se vamos começar um processo, vamos falar do valor da consulta e mesmo que tudo isso aconteça, o pagamento será só no outro mês. Digo a mim mesma: "este dinheiro é a prazo - se vier - e eu só trabalho com à vista (ouviu bem, vida?). Eu só irei nesta festa com o dinheiro em mãos, hoje!".

Depois do almoço, o celular toca e parece spam. Atendo. “Alô aqui é a gerente do Banco do Brasil...” E eu pensando: ai que inferno... Até que ela diz que o motivo da ligação é falar sobre a minha conta estudante. Eu demoro a entender qual é o objetivo da chamada e ela diz que minha conta estudante teria que ser fechada e eu teria que migrar para outra, blábláblá. Mas eu teria que decidir o destino do dinheiro que estava na conta corrente. DINHEIRO NA CONTA CORRENTE?! Que dinheiro na conta corrente?

Tinha me esquecido desta conta e do fato de, em 2009, ter feito uma iniciação científica e recebido uma bolsa do CNPq (por isso precisei abrir esta conta). Usei metade do dinheiro para comprar as "Obras completas" de C.G. Jung da Editora Vozes (minha inspiração até hoje). A outra metade estava lá, corrente, fluindo e, ao mesmo tempo, parada e esquecida no meu imaginário.

Uau! Quantas coincidências: a possível futura paciente e a funcionária do Banco do Brasil me ligam no dia que estava convicta de que sem o dinheiro em mãos não iria à festa. Liguei para meu amigo (sem dar detalhes da jornada) e pedi para ele comprar um ingresso para mim. Depois, toda vaidosa e me sentindo uma verdadeira psicóloga junguiana comecei a devanear se algo (ou alguém?) estaria me esperando nesta festa, já que parecia que era para eu estar lá de qualquer jeito.

O dia da festa chegou e eu fiz o que pude para deixar estes devaneios de lado. À noite, eu e meu amigo íamos nos arrumar e dormir em uma outra república, na qual eu não conhecia ninguém, por falta de espaço na que sempre ficávamos. Com todos se arrumando, chega um rapaz atrasado, e todos fazem pequenas piadas com ele que eu não entendo, sugerindo que ele tinha chegado de um encontro apenas a tempo de emendar com a festa. É um moreno bonito, o sorriso dele é lindo — sempre reparei em sorrisos — e eu nunca tinha cruzado com ele no ano inteiro em que fui às festas da Unicamp.

Diluí todas os meus devaneios anteriores à festa com álcool. Bebi, bebi mais, dancei, conversei com muita gente, mas, até aquele momento, não tinha beijado ninguém. Não vou negar que tinha um desejo de ficar com o rapaz moreno que tinha conhecido um pouco antes, mas nada acontecia... Até que, por volta das cinco da manhã, estamos numa roda conversando e o rapaz que tinha me interessado estava a dois passos de mim ficando com outra garota!

Disfarço meu descontentamento e a festa acaba pouco depois disso. Penso comigo como foi ingênuo da minha parte supor que algo “mágico” ia acontecer naquela festa. O que eu esperava? A festa foi ótima, me diverti muito e nada mais. E tudo aquilo que parecia que era para eu ir? Ora, desejo infantil meu de querer viver contos de fadas e achar que podia estar “interpretando” a vida falar comigo.

Volto no dia seguinte com ressaca para São Paulo, rindo um pouco de mim mesma e de todos os devaneios por onde esta história tinha me levado. Fim, era o que eu achava. Naquela semana, meu amigo me liga e diz que eu esqueci meu cobertor na casa em que tínhamos dormido - sou bem desligada mesmo. Mas ele só voltaria a Campinas dali algumas semanas, então, ele poderia pedir para um amigo que estava indo a São Paulo levar. "Claro, combinado. Dê meu telefone e agradeça a ele pela gentileza".

Eis que quem me manda mensagem dizendo: "oi, você é a dona da coberta?"? O rapaz que eu tinha conhecido na festa! Agora tínhamos o telefone um do outro, estávamos sóbrios e a devolução da coberta foi o gatilho para a nossa aproximação. Nos casamos dia 30 de dezembro de 2020 depois de cinco anos juntos.

Gosto de pensar nesta história pois o que eu senti era legítimo, mas eu estava voltada para o grande evento, a festa de formatura, e o que muda nossas vidas é a coberta que só poderia estar lá se eu tivesse ido à festa. É interessante pensar como o invisível vai costurando nossas vidas e este foi o momento na minha que eu tive a chance de reconhecer isto. No final, a mágica estava lá; eu é que estava racionalizando e esvaziando-a. Que a vida de todos possa ter um vislumbre de alma e encantamento!

Há um mês, quando Folha e a Conspiração Filmes estavam definindo a ordem de publicação dos textos, esta história foi escolhida, por acaso, para ser publicada neste domingo (1º). Quando a autora foi avisada, ela contou que 1º de agosto de 2015 foi o dia em que ela pediu em namoro o rapaz citado neste relato. Exatos cinco anos depois, em 1º de agosto de 2020, ele a pediu em casamento.

​Para participar da série Casos do Acaso, o leitor deve enviar seu relato para o email casosdoacaso@grupofolha.com.br. Os textos devem ter, no máximo, 5.000 caracteres com espaços e precisam ser inéditos, não podem ter sido publicados em site, blog ou redes sociais. As histórias têm que ser reais e o autor não deve utilizar pseudônimo ou criar fatos ou personagens fictícios.

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