Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Biden mostra que sabe que tecnologias melhores geram uma política melhor

Liberalismo com ambição de encontrar soluções por meio da invenção e da redistribuição seria poderoso de fato

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The New York Times

Precisamos de tecnologias melhores para criar condições para uma política melhor. Mas precisamos de política melhor para criar tecnologias melhores. Talvez, apenas talvez, estejamos prestes a conseguir as duas coisas.

O presidente Joe Biden anunciou que Renee Wegrzyn, executiva de biotecnologia que trabalhou na Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Defesa, a Darpa, será a primeira diretora da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada em Saúde, ou Arpa-H.

A sopa de letrinhas esconde a ambição dos projetos. A Darpa é a agência de pesquisas de defesa que desempenhou papel crucial na criação da internet, da tecnologia furtiva, da navegação com GPS, de drones e vacinas de mRNA. É um histórico notável e se deve à capacidade de fazer algo incomum em Washington: apostas grandes e arriscadas.

O presidente Joe Biden embarca no Air Force One em base aérea de Maryland - Mandel Ngan - 20.set.22/AFP

Pouco depois de chegar à Presidência, Biden persuadiu o Congresso a financiar uma agência análoga que enfocaria a tecnologia médica: a Arpa-H. Por que precisamos disso quando já temos os Institutos Nacionais de Saúde (NIH)? Porque o NIH, não obstante seu rigor e as maravilhas que já realizou, é amplamente visto como excessivamente cauteloso.

A Arpa-H será sediada no NIH, o que algumas pessoas lamentam, mas sua missão é encarar a espécie de aposta que a Darpa aceita e que o NIH às vezes evita. Biden prometeu que Wegrzyn "vai levar à Arpa-H a legendária atitude, cultura, ousadia e aceitação de riscos da Darpa, para suprir uma necessidade crítica."

Aqui se revelam duas facetas da administração Biden, uma das quais acho que não recebe crédito suficiente e a outra que receio que não seja suficientemente criticada. A primeira é que a gestão colocou o avanço tecnológico no centro de sua agenda. Todas as grandes leis que ele aprovou foram baseadas numa teoria sobre como políticas públicas melhores podem levar a tecnologias melhores que podem levar a um mundo melhor.

A segunda faceta é que o otimismo tecnológico é acompanhado por conservadorismo institucional: muitas agências de Washington se mostraram cautelosas demais durante a pandemia e pouco foi feito para torná-las mais ousadas.

Comecemos pela ambição de Biden. Quatro grandes pacotes legislativos foram aprovados: o Plano Americano de Resgate Econômico e as leis Bipartidária de Infraestrutura, Chips and Science e de Redução da Inflação. Fundamentalmente, cada um visa criar ou aplicar novas tecnologias à busca de soluções para problemas atuais.

O primeiro empregou vacinas, testes e vigilância genômica para sufocar a pandemia; a lei de infraestrutura está cheia de ideias para desenvolver a próxima geração de tecnologias de energia e transportes; a Chips é um esforço para romper nossa dependência dos semicondutores fabricados em Taiwan e Coreia do Sul e nos manter à frente da China em campos como inteligência artificial; e a Lei de Redução da Inflação emprega incentivos fiscais para impulsionar as indústrias eólica e solar, entre outros avanços.

Muita atenção tem sido voltada nos últimos anos a como a tecnologia é capaz de tornar a política mais tosca e agressiva. Basta pensar na desinformação possibilitada e facilitada pelas redes sociais ou nas fábricas fechadas e cidades dilaceradas pelos avanços nas comunicações e nos transportes que impulsionaram a globalização. Mas novas tecnologias também podem criar novas possibilidades.

A política da mudança climática seria impossível se os custos de painéis solares não tivessem caído 89% em dez anos e os da energia eólica em 70%. A decisão da Califórnia de a partir de 2035 proibir a venda de automóveis movidos a motores de combustão teria sido impensável sem os avanços conquistados na tecnologia de baterias. A vacinação pode reduzir a ameaça de doenças de maneiras que o distanciamento social não pode, já que as campanhas de vacinação podem ser continuadas, mas os lockdowns se tornam econômica, política e socialmente devastadores.

E estamos longe de termos chegado à fronteira política ou tecnológica. Tomemos o caso da Covid, em que milagres e calamidades coexistem. O esforço de vacinação de Biden começou forte e então atolou na polarização política, na desinformação e na comunicação muito deficiente sobre as doses de reforço.

Mas o que não fizemos não deve desviar nossa atenção daquilo que realizamos. Vacinas, tratamentos, protocolos de hospitalização, testes rápidos —tudo isso aliado à imunidade pós-infecção— desacoplaram o número de casos do número de óbitos.

A pandemia ainda cobra um preço terrível, mas muito menor do que seria de outro modo. Algo que se assemelha à normalidade é possível para muitas pessoas hoje, e a inovação e o uso de novos fármacos são uma das grandes causas disso.

O que se aplica à Covid se aplica igualmente a muitas doenças que não recebem tanta cobertura diária na mídia. A questão dos custos domina as discussões de Washington. O que realmente recebemos em troca de tanto dinheiro gasto é uma preocupação muito mais distante.

Nesse ponto já virou clichê que políticos exibam gráficos mostrando o aumento estarrecedor dos gastos projetados com saúde nos próximos 40 ou 75 anos. Mas eles sempre me deixaram desconfiado. Por acaso aquilo que recebemos em troca desses gastos não tem importância? Me diga se vamos viver com saúde até os 175 anos e eu lhe direi se gastar uma parte polpuda do PIB com saúde é um escândalo ou um ótimo negócio.

A Lei de Redução da Inflação autoriza o Medicare a negociar para baixar os preços de certos medicamentos. Medicamentos não são uma mercadoria como outra qualquer. Se você não tiver dinheiro para comprar aquela TV que tanto deseja, você sai da loja. Se não tiver como pagar o tratamento anticâncer que pode dar mais dez anos de vida a seu cônjuge, você vende tudo para conseguir o dinheiro.

As empresas farmacêuticas podem cobrar o que quiserem —e cobram. Apenas governos possuem o poder de negociação preciso para frear esses aumentos de custo. Outros governos o fazem: cidadãos de países como Canadá e Reino Unido pagam muito menos por medicamentos que foram desenvolvidos nos EUA, muitas vezes a partir de pesquisas pagas com verbas públicas.

O contra-argumento é que os altos custos que os americanos pagam subsidiam inovações farmacêuticas para o mundo inteiro —e, por frustrante que isso seja, vale a pena. Nunca achei isso convincente. Deveríamos pagar 50% a mais por medicamentos para pressionar o sistema a inovar ainda mais?

Mas a ideia subjacente é correta: que a inovação farmacêutica é importante e que devemos mover céu e terra para incentivá-la. O tratamento dado às vacinas contra Covid deve servir de exemplo. Fizemos do seu desenvolvimento uma prioridade nacional, asseguramos que os lucros das empresas , mas também que doses estariam disponíveis para todos os americanos a um custo acessível.

Os democratas deveriam entremear medidas para baratear medicamentos com medidas para facilitar a inovação farmacêutica e, em alguns casos, torná-la mais lucrativa. Passei algum tempo conversando com Heidi Williams, economista da Universidade Stanford, e o que ela disse foi tão óbvio que é espantoso que ainda não tenhamos feito mais nesse sentido. Gastamos muito na fase inicial (ciência básica e pesquisas) de um fármaco, e ainda mais com os produtos que acabam sendo desenvolvidos. Mas ignoramos a parte intermediária: toda a infraestrutura difícil e nada atraente necessária para converter uma molécula promissora num tratamento milagroso.

Mais dinheiro poderia ser bom –especialmente se fosse gasto de maneiras novas, como para financiar prêmios ou com a Arpa-H—, mas hoje Washington gasta bilhões de dólares com pesquisas médicas, e vale perguntar se é um dinheiro bem gasto.

Para sermos justos, existem bons motivos para o NIH agir com cautela, e são motivos políticos, não apenas científicos ou econômicos. Os mesmos republicanos que desancam o governo por ser demasiado convencional e lento para agir criticam concessões que não se concretizaram e apostas inesperadas, descrevendo-as como desperdício de dinheiro do contribuinte. Com isso, eles criam os incentivos para precisamente a cautela burocrática que eles então condenam.

Mas a pandemia não deve convencer ninguém da infalibilidade de nossas agências de saúde. O NIH se mostrou incapaz de mudar de foco rapidamente quando a pandemia chegou: só 2% de seu orçamento de 2020 foi gasto com pesquisas sobre Covid. O FDA demorou demais para aprovar os testes rápidos que a Europa começou a usar muito antes. O CDC foi, francamente, uma bagunça. Mas nenhuma das falhas às quais assistimos levaram a reformas importantes dessas agências. Isso não pode estar certo.

Estamos falando de instituições cheias de profissionais brilhantes, que trabalham muito e que estão fazendo o melhor que podem dentro das restrições que lhes são impostas. Elas deveriam ser revistas com certa frequência. Em Washington, porém, a necessidade de defender instituições estimadas como o NIH contra cortes orçamentários e interferência política leva pessoas que acreditam na organização a se tornarem defensoras, em lugar de aprimoradoras.

É assim que chegamos a uma situação bizarra como a Arpa-H —que evidentemente se pretende que opere de modo radicalmente distinto do NIH— ser criada como parte do NIH. Na semana passada escrevi sobre como boa parte da agenda de Biden depende de novas estruturas. Mas a agenda é igualmente dependente da inovação —e muito precisa ser feito para que o governo se torne mais favorável a elas.

Mesmo assim, esse é um lado inesperadamente instigante da Presidência de Biden. Um liberalismo que tem tanta ambição de encontrar soluções para problemas por meio da invenção quanto por meio da redistribuição seria poderoso de fato.

Tradução de Clara Allain

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