Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

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Descrição de chapéu China

Partido Comunista Chinês testa mecanismo de pesos e contrapesos sob Xi Jinping

Retiro da cúpula do país em Beidaihe serve para construir consensos; será assim no 3º mandato do atual líder?

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Xi Jinping desapareceu e, junto com ele, quase toda a cúpula do Partido Comunista Chinês.

Não, não há um golpe em curso. O mais provável é que tenha começado um evento cercado de confidencialidade e sobre o qual pouco se sabe de fato: o retiro de verão em Beidaihe.

O líder Xi Jinping à frente de membros do Comitê Permanente do Politburo chinês, em Pequim
O líder Xi Jinping à frente de membros do Comitê Permanente do Politburo chinês, em Pequim - Tingshu Wang - 23.out.22/Reuters

A cerca de 280 km de Pequim, o distrito costeiro não tem nada de especial na maior parte do tempo. Com pouco mais de 60 mil habitantes, o local tem uma praia pouco simpática, feita de areia turva e mar raso, e ao longo do ano atrai apenas um punhado de turistas para observar pássaros. No verão, porém, o distrito se transforma, reunindo gente de todo o país, incluindo quase toda a cúpula do poder chinês.

A tradição começou em 1953, com o então líder Mao Tse-tung, e foi repetida anualmente por quase todos os seus sucessores. Ninguém sabe quando nem exatamente onde o evento acontece. Em geral, a saída de cena temporária da cúpula chinesa nesta época do ano costuma ser o sinal mais forte.

Tanto segredo tem razão de ser: é neste momento que os oficiais do PC Chinês, ativos ou aposentados, avaliam o estado do país, aparam arestas e definem as bases para as principais decisões do resto do ano.

Foi lá, em 1958, que o Grande Salto Adiante, plano de desenvolvimento de Mao que matou de fome mais de 55 milhões, foi gestado. De lá saíram ainda as decisões que levaram ao bombardeio da ilha taiwanesa de Quemói, à Revolução Cultural e à abertura econômica, entre outros momentos marcantes da China.

A ideia sempre foi a busca de uma unidade dentro do partido que permita a aprovação suave de leis e regulamentos pelos órgãos legislativos. Nem sempre funciona (há diversos relatos de Mao perseguindo e estigmatizando quem o criticava nas reuniões, por exemplo), mas espera-se que o dirigente no poder pelo menos delibere com ministros e escute conselhos de ex-líderes da legenda, os chamados anciãos.

O encontro de 2023, porém, não terá a presença de figuras históricas. Jiang Zemin, a quem coube a dura tarefa de encontrar um caminho para uma China ostracizada depois do massacre da praça da Paz Celestial, morreu em 2022. Seu sucessor, Hu Jintao, foi retirado ao vivo do Congresso Nacional do partido que conduziu Xi a um inédito terceiro mandato. Depois, ele raramente foi visto em público.

Xi certificou-se de promover aos altos postos da legenda só aqueles que demonstraram inconteste lealdade. Com o fim das poderosas facções internas, a reunião dará ao líder chinês uma oportunidade de ouro para avançar com sua agenda sem grande oposição —o que também pode ser um risco.

A China passa por uma considerável desaceleração econômica. O crescimento está abaixo do esperado, o volume de exportações têm caído, e Pequim lida com um Ocidente cada vez mais hostil. Na lista de problemas, Xi tem de encontrar uma resposta aos desastres causados pela passagem pelo tufão Doksuri, planejar a estratégia de reação para as eleições em Taiwan no ano que vem e discutir se implementa um aguardado pacote de estímulo à economia, cuja ideia, por enquanto, atrai apoiadores e detratores em igual proporção. Ele conseguirá decidir tudo sozinho e assumir o custo político de possíveis erros? Difícil prever.

Beidaihe servia para que o Partido Comunista Chinês congregasse seus principais quadros e corrigisse erros de rota. Agora, a câmara de eco que Xi criou em torno de si será colocada à prova pela primeira vez —e a reunião talvez mostre que a função do retiro de veraneio virou uma relíquia do passado.

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