Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Conspiração stalinista tenta apagar memória da invasão do Capitólio

Fox News e Kevin McCarthy são cúmplices na distorção do que aconteceu na tentativa de golpe nos EUA

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O presidente da Câmara dos EUA, Kevin McCarthy, nunca foi acusado, na juventude, de ter sido bom aluno. Agora que é o segundo na linha sucessória americana, o deputado da Califórnia parece enamorado de um período histórico que provavelmente não estudou —o Grande Expurgo de Josef Stálin, nos anos 1930.

O medíocre líder republicano não planeja eliminar dissidentes em massa, claro. Mas se lançou a um projeto stalinista de apagar a história recente. Mais de meio século antes da invenção da técnica do Photoshop, Stálin fazia seus adversários políticos no Partido Comunista sumirem de fotos oficiais depois de presos e/ou assassinados por sua burocracia.

O presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, o republicano Kevin McCarthy, caminha em direção a seu gabinete no Capitólio, em Washington
O presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, o republicano Kevin McCarthy, caminha em direção a seu gabinete no Capitólio, em Washington - Stefani Reynolds - 1º.mar.23/AFP

O líder republicano em Washington teve o que pensou ser uma ótima ideia, mesmo sem contar com campos de trabalho forçado para internar a maioria da população que testemunhou a tentativa de golpe de Estado em 6 de janeiro de 2021.

Como refém da franja lunática republicana, McCarthy, que enfrentou 15 rodadas de votação para obter a liderança em janeiro, acertou parte do resgate na liberação de 40 mil horas de gravações do 6 de Janeiro captadas por câmeras de vigilância espalhadas pelo Capitólio. O plano do deputado era passar uma borracha no dia mais infame da história política do país, um dia que ele denunciou, durante a selvageria, ao vivo, por telefone à Fox News de Rupert Murdoch, como algo intensamente antiamericano.

McCarthy recrutou como cúmplice –com exclusividade— Tucker Carlson, o mais cafajeste entre os empregados de Murdoch, e também o mais assistido âncora das noites na Fox. Ignorou os pedidos de acesso às imagens feitos pela CNN e várias outras empresas jornalísticas.

Desde segunda-feira (6), Carlson serve na Fox doses diárias de edição do 6 de Janeiro, selecionando cenas e omitindo a violência. A tentativa de cancelar a eleição de Joe Biden "não foi uma insurreição." A maioria dos invasores era formada por "turistas" que "tinham reverência pelo Capitólio", mas estavam chateados com o "roubo" da eleição.

Na versão da Fox —agindo como TV estatal de qualquer ditadura—, os democratas, que controlavam a Câmara até dezembro passado, promoveram uma lavagem cerebral do populacho e agora querem censurar a verdade sobre o 6 de Janeiro. Mas, nesta versão neostalinista, tanto Murdoch como Carlson odeiam Donald Trump, como provam revelações da ação legal de US$ 1,6 bilhão movida pela empresa de urnas eletrônicas Dominion contra a mais assistida TV a cabo dos EUA.

Então temos dupla dose de cinismo de gângsteres. Os mandantes do que deveria ser um malfeito merecedor de reavaliação da concessão de canal de TV querem ver o senil ogro laranja pelas costas. Mas querem também proteger o rebento Lachlan Murdoch, sucessor de Rupert à frente da Fox, das consequências legais de ter propagado a "grande mentira" sobre o roubo da eleição de 2020.

A ação por danos pecuniários incorridos pela Dominion poderia abrir a porteira para outras, como a evidente e prolongada campanha de desinformação sobre a pandemia que matou mais de 1 milhão nos EUA.

Quem acompanhou ao vivo o 6 de Janeiro e a reação apartidária de tantos legisladores cuja vida foi ameaçada não imaginava o cinismo negacionista rapidamente patrocinado por Kevin McCarthy depois da invasão. Mas não vivemos num mundo de fotos analógicas retocadas por burocratas. O novo tiro stalinista ainda pode sair pela culatra.

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